quinta-feira, junho 30, 2005

A manta de Salazar e a clandestinidade de Cunhal


ANTÓNIO PIRES DE LIMA

"Autoridade e liberdade são dois conceitos incompatíveis. Onde existe uma não pode existir a outra."
"Salazar o homem e a sua obra"


Reza a história - não sei se inteiramente verdadeira - que sempre que recebia convidados à noite na residência oficial de Verão, o Dr. Salazar - fizesse frio ou calor -, tinha por hábito oferecer uma manta grossa para lhes cobrir as pernas. Houve um dia, porém, que um convidado mais ousado recusou a dita manta, argumentando que não fazia frio para tanto aquecimento. "Ponha, ponha, que pondo a manta, o frio chega logo a seguir", terá replicado Salazar.

Mais de 30 anos passados sobre o 25 de Abril, a manta de Salazar parece ainda cobrir as consciências e os costumes em Portugal, como se vivessemos todos em regime de liberdade condicionada. À esquerda e à direita, persiste uma insustentável desconfiança da iniciativa privada e um inexplicável temor à liberdade de escolha.

É longa a tradição autocrática à direita em Portugal, desde o absolutismo miguelista no século XIX ao consulado do Dr. Salazar, que durou metade do século XX. Que ordem de valores prevaleciam, nessas "direitas" de então? Deus, Pátria, Autoridade e a certeza de que "quem não é por nós é contra nós".
Na economia, condicionamento industrial, porque a concorrência é uma ameaça e não um estímulo.
O liberalismo nasceu em Portugal por oposição ao absolutismo e, ainda hoje, não é fácil encontrar um português de direita, educado no Estado Novo, que defenda valores liberais.

À esquerda, o amor à liberdade sempre foi muito apregoado e pouco praticado. A esquerda da I República era profundamente intolerante. A do PREC abominava a liberdade. Melhor testemunho não nos podia deixar aquele que foi o exemplo de vida do Dr. Cunhal: quem vive mais de trinta anos de democracia em desnecessária semiclandestinidade, não só não ama, como não sabe viver em liberdade. Quanto mais respeitar a dos outros.

Sobra a esquerda democrática continua hoje a refugiar-se em mitos e chavões politicamente correctos, para evitar o debate aberto em múltiplas frentes (segurança, estado social, etc.). Socorre-se de um texto constitucional datado, que é em si mesmo um programa político, para limitar a margem de governação e a liberdade de escolha individual.

Portugal só dará o salto para uma sociedade moderna e de qualidade na medida em que a nossa democracia baseie os seus pilares na liberdade e na responsabilidade do indivíduo, tratando cada Pessoa como verdadeiro adulto e transferindo poder do Estado para os cidadãos. O Estado Social burocratizado que nos impõe a Constituição é profundamente irresponsável. Dar poder às pessoas e empresas é pô-las a pagar os impostos estritamente indispensáveis à organização do Estado, porque é da acumulação de riqueza na esfera privada que advêm dinâmica social, maior poupança, bom investimento e desenvolvimento económico.

Trinta anos depois da Revolução, talvez não existisse maior homenagem que os democratas pudessem prestar ao 25 de Abril que reescreverem, sem preconceitos, a Constituição, para que esta possa garantir o bem que mais escasseia a liberdade de escolha, nomeadamente aos mais pobres, que são escravos das escolhas do Estado. A cada indivíduo, a cada família, deve corresponder o direito de escolha da escola, do hospital, do sistema de segurança social. Esse é o verdadeiro direito à educação, à saúde e à segurança social que urge defender.

Espero bem que, nestes tempos de ciclo socialista, a direita saiba encontrar um discurso que rompa preconceitos e lhe possa destinar um futuro interessante. Uma direita que ame a liberdade. Uma direita humanista, respeitadora do direito à diferença nas questões éticas, de moral e de costumes, que preze a dignidade de cada pessoa e respeite opções individuais. Uma direita que acredite na iniciativa, na concorrência e estimule a capacidade de empreender.

Em suma: uma direita moderna e de marcada inspiração liberal. Portugal precisa de uma direita assim. Vamos fazer por isso?


[Publicado no "Diário de Notícias" de hoje]

Recomendado por leitor


O lado negro

RUI RAMOS

Há muitos anos, “liberalizar” significou, por exemplo, atenuar a censura e a repressão policial.
Talvez não acreditem, mas tempos houve em que “liberal” não era um insulto. Há muitos anos, “liberalizar” significou, por exemplo, atenuar a censura e a repressão policial. Hoje, a maioria do público identifica “liberalização” com cortar subsídios e restringir regalias. Naturalmente, não gosta do liberalismo e muito menos dos liberais.
Para muitos políticos, a rejeição do liberalismo traduziria a afeição das populações pelo corrente “modelo social”. Será isso? O Estado Social assenta no princípio de que a distribuição de recursos e rendimentos deve ser decidida pelo poder político. Os governantes do Estado Social, porém, conhecem bem a história do socialismo e a sua falência. Por isso, tentam combinar a apropriação e distribuição da riqueza pelo Estado, e a criação de riqueza por agentes privados numa economia de mercado mundial. Mas a tendência dominante do Estado Social é para a estatização da riqueza, expressa pela constante subida da receita fiscal em pergentagem do PIB. Os governantes admitem, porém, que esta tendência pode dificultar a competitividade dos empresários no mercado mundial. Por isso, enchem-se regularmente de coragem para sujeitar o Estado Social a reajustamentos mais ou menos violentos, a fim de evitar entrar no caminho do empobrecimento. Assim, no grande esquema do Estado Social, dá-se hoje para se tirar amanhã. Geralmente, o dar e tirar não é determinado por qualquer critério de justiça, mas pela correlação de forças entre os grupos com acesso privilegiado ao poder (partidos, sindicatos, lóbis, etc).
Como o que está em causa nestes agitados esforços de auto-disciplina é conter o “peso do Estado”, alguns chamam-lhe “liberalização”, quase sempre num sentido pejorativo. Provavelmente, porque existe a vaga ideia de que o “liberalismo” teve, em tempos, qualquer coisa a ver com a defesa de um “Estado mínimo”. Quem assim invoca o “liberalismo”, deseja obviamente insinuar que os governantes que procedem aos cortes são talvez agentes do “Estado mínimo” procurando sabotar o Estado Social. É uma invocação enganadora. Porque parece remeter para uma alternativa ao Estado Social, quando, neste contexto, estamos apenas perante o mecanismo corrector e equilibrante do Estado Social, uma espécie de lado negro da força. O público só gosta do Estado Social quando dá, mas não quando tira. Mas dar e tirar fazem igualmente parte do Estado Social. Quando recusam o “liberalismo”, o que as populações estão a fazer é, no fundo, recusar uma das faces do Estado Social: aquela que necessariamente não sorri, e a que impropriamente se chama “liberal”.
O uso de “liberal” ou “neo-liberal” para descrever pejorativamente as auto-correções do Estado Social tem sido muito útil aos interessados na manutenção do regime. A identificação do liberalismo como uma simples tendência sádica para cortar e restringir, permite-lhes evadir a verdadeira questão levantada a partir das tradições liberais: a possibilidade de elaborar um outro modelo social, assente na responsabilização dos cidadãos, e não no arbítrio do Estado. Infelizmente, os elementos não-socialistas da actual classe política não estão dispostos a assumir os debates necessários para desfazer o equívoco. Resta apenas um pequeno número de comentadores que, com um estoicismo quase incompreensível, não se importam de ser insultados ou ignorados. É pena. Porque seria interessante podermos finalmente dispôr, no horizonte da nossa política, de um liberalismo que não fosse o Estado Social contrariado, mas o contrário do Estado Social.


No "Diário Económico" de ontem, com agradecimentos a Rui Neves Soares pela sugestão.

"Noites à Direita" no "Diário de Notícias"

"Está a chegar o tempo de uma direita que não se revê em velhos costumes e bandeiras ultrapassadas" - é, por isso, tempo de repensá-la. Este é o mote que preside às "Noites à Direita. Projecto Liberal", uma série de conferências que começa no próximo dia 5 de Julho, e que pretende lançar à sociedade e aos partidos o desafio de um pensamento mais liberal. Na política, na sociedade, na economia, nos costumes.

"Queremos discutir uma direita mais baseada na liberdade e na responsabilidade de escolha do indivíduo, humanista, respeitadora do direito à diferença, aberta à iniciativa privada", afirmou ao DN o gestor Leonardo Mathias, um dos promotores da iniciativa. Que tem na origem um grupo que reúne nomes como António Pires de Lima (deputado e ex-vice-presidente do CDS), Paulo Pinto Mascarenhas (assessor do CDS), Luciano Amaral (professor universitário), Pedro Lomba (advogado), Rui Ramos (professor universitário) e Filipa Correia Pinto (advogada). As origens são diversas, o objectivo é comum: romper com posições dogmáticas e afirmar uma direita liberal, esperando que a discussão se estenda para lá dos debates. Leia-se, para os partidos da direita. Face à evolução da sociedade, "a direita dos últimos 30 anos pode ou não espelhar-se nos próximos 20?", questiona Leonardo Mathias, sublinhando que o ideal seria que os partidos incorporassem esta reflexão, "validando" ou não as ideias em debate.

O "movimento" agora lançado assume-se como "apartidário", mas também Pires de Lima refere que gostaria de ver algum reflexo desta discussão nos partidos. "Há que aproveitar este tempo em que a direita - em sentido lato - vai estar na oposição para repensar um projecto", afirmou ao DN, acrescentando que "o que se pretende é abrir a direita a um discurso mais liberal" de forma a que possa apresentar-se no futuro com propostas "mais claras, mais reformistas". Para não repetir, diz o gestor e deputado do CDS, a "oportunidade desperdiçada" que foram os últimos três anos no poder. Uma experiência que qualifica como "frustrante" ao nível da capacidade de "influência na mudança de mentalidades e de criação de um projecto" para o País.

Como ponto de partida, o grupo lança para a discussão o princípio essencial do liberalismo - a liberdade de escolha. "Está a chegar o tempo de uma direita que defende que a interferência do Estado na esfera privada do cidadão deve ficar circunscrita ao mínimo indispensável", diz o "manifesto" das "Noites à Direita" (publicado em www.direitaliberal.blogspot.com). Está a chegar o tempo de se discutir a liberdade de escolha "na segurança social, na saúde, no ensino, na economia, na justiça", especifica Leonardo Mathias.

Com periodicidade mensal, o ciclo de debates inicia-se a 5 de Julho, no Café Nicola, em Lisboa, com Vicente Jorge Silva e Pires de Lima a debater "A direita e a liberdade", seguindo-se um debate moderado por Miguel Coutinho, director do DN. Seguem-se questões como a direita e a cultura, a educação, a economia ou os costumes, num programa que abrangerá temas da actualidade. O ciclo começa na capital, mas estender-se-á também ao Porto. O "movimento" deverá, aliás, vir a incluir personalidades ligadas à Invicta.

quarta-feira, junho 29, 2005

Convite pessoal e transmissível

“Noites à Direita” tem o prazer de o convidar para participar no debate “A Direita e a Liberdade”, pelas 20h30 do próximo dia 5 de Julho, no Café Nicola, em Lisboa.
Vicente Jorge Silva é o agente provocador de uma conversa sobre a direita, para discutir tudo. O director do “Diário de Notícias”, Miguel Coutinho, vai tentar moderar as vozes de António Pires de Lima e de todos os outros convidados, incluindo a sua. Contamos consigo.

Um blogue verdadeiramente liberal

PAULO PINTO MASCARENHAS

No blogue DIREITA LIBERAL vamos ter discussão teórica - muita, certamente, para todos os gostos - mas também queremos ter discussões e conversas muito práticas sobre todos os assuntos que interessam aos portugueses. E queremos a sua opinião sobretudo e sobre tudo. Os melhores comentários serão publicados na íntegra assim como os seus emails (para já, pode utilizar o pmascarenhas@portugalmail.pt).

Seja bem-vindo.

Popper e Oakeshott: sempre debaixo do braço

HENRIQUE RAPOSO

1. No século XX, as lições de Hume e Madison encontraram eco em vários autores. Destacamos Michael Oakeshott e Karl Popper. Estes dois homens (cada um à sua maneira) reconstruíram as lições dos iluminismos anglo-saxónicos. Oakeshott e Popper foram as duas torres da tradição liberal durante a segunda metade do século XX. O “Noites à Direita” anda com as suas obras debaixo do braço. E pretende partilhá-las.

2. A par de Aron, Hayek e Berlin, Karl Popper e Michael Oakeshott constituíram a defesa avançada dos regimes demo-liberais durante a segunda metade do século XX europeu. Enquanto defensores do primado do indivíduo e do pluralismo, recusaram, em absoluto, os princípios do monismo racionalista dos marxismos e neo-barra-marxismos que fustigaram o século passado. Estas escolas monistas dogmáticas seduziam (e seduzem) pela sua suposta grandeza teórica ou magnificência moral. Porquê? O racionalista monista cria uma definição una e absoluta de Homem, que tudo simplifica, que tudo harmoniza. Tudo parece perfeito… no papel. Daí a sedução. Aquele que é seduzido pelo monismo julga possuir uma chave intemporal e universal para a compreensão dos homens. Consequência óbvia desta atitude epistemológica: a pluralidade dos homens é reduzida, simplificada e mesmo destruída – daí os massacres produzidos pelas ideologias monistas do século XX. O pluralismo cultural e individual, aos olhos do racionalista monista, é um sintoma de imperfeição e não de riqueza. Em resposta a este ópio intelectual, Oakeshott e Popper sempre defenderam um conceito de liberdade formal e negativa (destinada a defender a liberdade do indivíduo do poder político centralizador) contra uma liberdade substantiva e positiva (a liberdade destinada a um nós usurpador das liberdades individuais: o conceito totalitário de HOMEM).

3. O grande mote da vida de Popper foi a deslegitimação do dogmatismo racionalista. Tal como Isaiah Berlin, criticou todos os sistemas filosóficos que partem do pressuposto de que é possível encontrar uma única fórmula, segundo a qual a pluralidade de interesses e valores dos homens podem ser harmoniosamente ligados num consenso racional. Esta aspiração do marxismo e de outras escolas monistas encontrou em Popper um obstáculo intransponível. E consciente da tentação eterna do monismo racionalista, Popper considerava, e bem, que a grande questão da teoria política não é “quem governa?” mas sim “que poder deve ser concedido ao governo?”. Ou seja, não interessa saber qual é a noção de Bem daquele que ocupa a cadeira do poder. A questão fundamental é, precisamente, limitar a dimensão da dita cadeira. A liberdade individual exige um estado forte mas curto.

4. E Michael Oakeshott? Que dizer do homem que fundiu a famosa disposição conservadora com os princípios e preceitos institucionais do liberalismo clássico? A Política do liberalismo clássico ressuscitou em todo o esplendor em Oakeshott. A política, aqui, consiste na criação de um espaço civil e jurídico comum à pluralidade dos homens (societas). A política não deve tentar criar uma meta colectiva, que, naturalmente, subjuga o livre arbítrio dos indivíduos (universitas). Por outras palavras, a política deve construir e defender as leis e instituições (base civilizacional a montante do livre arbítrio dos indivíduos) e deve ausentar-se da fabricação de destinos racionalistas e utópicos (utopias a jusante do livre arbítrio dos indivíduos).

5. São estes alguns dos princípios que o “Noites à Direita” pretende divulgar e discutir em Portugal.

Portugal e o Mundo

BERNARDO PIRES DE LIMA

1. Portugal é herdeiro de uma História que construiu. Esconder isto é intelectualmente desonesto.
De descobridor e aventureiro, a imperial e isolacionista, Portugal foi trilhando o seu caminho consoante os rumos que a História lhe permitiu. Muitas vezes, porém, construímo-la nós mesmos. E isto não deve ser motivo de vergonha para ninguém.

2. A Democracia, e a nosso ver bem, colocou o país nos novos rumos que se iam construindo nas relações internacionais. O reforço da Aliança Atlântica, de que Portugal foi fundador, em 1949, e a opção/necessidade europeia, foram mecanismos que garantiram a consolidação da democracia, do bem estar dos portugueses, permitindo que um país, amputado das suas colónias ultramarinas encontrasse um novo papel no mundo.

3. Para nós, Direita Liberal, não deve haver dúvidas quanto às opções internacionais de Portugal. Somos, por isto, defensores de um consenso político nesta matéria entre partidos do arco democrático que, em boa verdade, sustentaram o regime democrático e o desenvolveram, desde 1974.

4. Vistas as coisas, para a Direita Liberal, Portugal deve conduzir a sua política externa em três eixos fundamentais:

4.1. Aliança Atlântica – Vínculo político/ideológico, garante da paz e segurança no espaço Euro-Atlântico nos últimos 60 anos, consubstanciado na NATO. Naturalmente, Portugal deve assumir uma relação forte e próxima com os EUA, pois esta concede-lhe, quer uma maior projecção internacional, quer uma autonomia maior em alturas críticas no seio da União Europeia. Pode mesmo, ser um caminho para fortalecer o país no interior da UE.

4.2. União Europeia – Projecto extraordinário entre Estados europeus que, a par da Aliança Atlântica, mantem quase a totalidade do Continente europeu em estabilidade e progresso como nunca o havia conseguido. Portugal abraçou-o em 1986 e não deve abandoná-lo. Por outro lado, a integração europeia, ao consolidar a nossa democracia, permitiu, pela primeira vez na nossa secular História, projectar-nos para uma via continental, em paralelo com a tradicional linha atlântica, base das nossas alianças marítimas do séc. XIX, e em quase todo o séc. XX.

4.3. PALOP – Sem qualquer tipo de saudosismos ou refém de quaisquer complexos colonialistas – NÃO SOMOS DESSA DIREITA RETRÓGRADA – a Direita Liberal defende que Portugal deve potenciar como desígnio estratégico nacional as suas relações com os países de língua portuguesa espalhados pelo mundo. Dos pontos de vista institucional, político, diplomático, económico e cultural. Assumir que a África lusófona, o Brasil e Timor são vectores estratégicos da própria relevância de Portugal no interior da UE, enquanto interlocutor privilegiado com esses países e regiões (aqui, também o Magreb deve ser estrategicamente importante para Portugal), conduz-nos a políticas externas menos “empoeiradas” e mais realistas. Assim é a Política Internacional.

5. Para a Direita Liberal não existem alternativas à democracia liberal. Não queremos regressos ao passado nem promovemos campanhas narcisistas ou saudosistas. Não é esse o caminho que queremos para o país. Não é esse o papel que queremos que Portugal desempenhe no séc. XXI. Posto isto, Portugal deve potenciar as suas “armas” no xadrez internacional o melhor que pode e sabe. Não temos dúvidas que o conseguirá. O optimismo está-nos no sangue.

Liberalismo, um filho das luzes

HENRIQUE RAPOSO

1. Antes de mais, o “Noites à Direita”, assumindo-se como um projecto liberal, reivindica um pressuposto teórico: o Liberalismo Clássico também é um fruto ideológico do espírito iluminista do século XVIII. O Iluminismo não é monopólio das esquerdas continentais.

2. De facto, as esquerdas continentais sempre se assumiram como as únicas e exclusivas descendentes do Iluminismo. Ainda hoje, a vulgata proclama a Esquerda como filha única das Luzes. E este lugar-comum, claro, remete, de forma indiscriminada, todas as direitas para as terras escarpadas da reacção. De forma pavloviana, associa-se a expressão ser-se de direita à condescendente e automática condenação: reaccionarismo. Em Portugal, por exemplo, reaccionário continua a ser um carimbo que qualquer pessoa de direita recebe quando abre a boca para falar ou quando pega na caneta para escrever.

3. Pois bem, é tempo de meter esse carimbo no lixo. É tempo de pôr termo a esta caricatura que continua a bloquear o debate político. É tempo de terminar com o monopólio da esquerda sobre o legado dos iluminismos. É tempo de libertar a direita liberal, uma direita sem qualquer tipo de pó romântico, sem qualquer tipo de ácaro reaccionário, sem qualquer tipo de teia de aranha saudosista. Enfim, uma direita iluminista. Perguntará alguém: “mas o conceito direita iluminista não é um contra-senso?”. Quem fizer esta pergunta revelará ao mundo o seu estado de ineptidão ideológica, mostrará o seu desconhecimento pela história do pensamento e o seu provincianismo. Em suma, este inquiridor revelará que vive preso num mito. Que mito é esse? O mito que proclama o Iluminismo como propriedade privada da Esquerda.

4. Acontece que não existiu um Iluminismo mas iluminismos. Por outras palavras, o iluminismo francês de Voltaire, Diderot e Rousseau não esgotou as Luzes setecentistas. O racionalismo dogmático de Diderot e o culto da Vontade Geral de Rousseau não constituíram as únicas consubstanciações desta época. O mundo anglo-saxónico não ficou arredado do espírito iluminista. Na Escócia, figuras como David Hume ou Adam Smith desenvolveram o Iluminismo Escocês. Nos EUA, James Madison ou Alexander Hamilton criaram o Iluminismo Americano.

5. Estes projectos iluministas anglo-saxónicos não tinham as ambições desmedidas do iluminismo francês. Hume e Madison já conheciam os perigos advenientes das utopias políticas, grandiloquentes do ponto de vista moral mas desastrosas na realidade histórica concreta, grandiosas para um conceito totalitário de Homem mas intragáveis para os (verdadeiros) homens. Hume e Madison distinguiram-se como defensores da pluralidade dos homens, enfrentando as correntes monistas que insistiam (e insistem) em impor um único ideal de Homem. E para a defesa do pluralismo, desenvolveram uma predisposição epistemológica céptica, isto é, não construíram um ideal de Razão abstracto. Para Hume e Madison, a razão humana era (é) apenas um instrumento e não um bem em si mesmo. Para os iluministas anglo-saxónicos, a razão era (é) um modo de gerir o presente terreno e não uma alavanca destinada a fazer descer o céu à terra. Criaram argumentos racionais destinados a gerir a Política. Recusaram o culto de uma Razão que aproximava (e aproxima) a Política da Teologia.

5. Ora, o Liberalismo Clássico é a consubstanciação dos ideais de Hume, Smith ou Madison. Aliás, o conceito liberalismo clássico é um sinónimo de iluminismo escocês ou iluminismo americano. Portanto, é tempo de colocarmos ponto final na cómoda dicotomia entre as terras altas e legítimas dos iluministas de esquerda e as terras baixas e ilegítimas dos reaccionários de direita. À direita, também há gente iluminista.

terça-feira, junho 28, 2005

Convite pessoal mas transmissível

“Noites à Direita” tem o prazer de o convidar para participar no debate “A Direita e a Liberdade”, pelas 20h30 do próximo dia 5 de Julho, no Café Nicola, em Lisboa.
Vicente Jorge Silva é o agente provocador de uma conversa sem sentido único mas virada à direita.
O director do “Diário de Notícias”, Miguel Coutinho, vai tentar moderar as vozes de António Pires de Lima e de todos os outros convidados, incluindo a sua. Contamos consigo.

terça-feira, junho 14, 2005

Abrem brevemente

Churchill

NOITES À DIREITA*
*projecto liberal

1. Está a chegar o tempo de começar a fazer alguma coisa de novo à Direita, para além dos partidos, mas nunca contra qualquer partido.

2. Está a chegar o tempo de afirmar a existência de novas direitas, que só sabem viver em Democracia e que não a trocam por nada deste mundo.

3. Está a chegar o tempo de uma Direita que não acredita em utopias, porque conhece a realidade e sabe que esta não se transforma só com boas intenções.

4. Está a chegar o tempo de uma Direita que sabe ouvir e quer discutir com quem tem espírito independente, seja de Esquerda ou de Direita, para poder avançar com novas propostas. Uma Direita que sabe que há vários tipos de liberais e o que os une é a ideia de que as decisões fundamentais sobre o modo de vida de cada um devem ser assumidas pelos indivíduos, e não pelo poder político.

5. Está a chegar o tempo de uma Direita que já não se revê em velhos costumes e bandeiras ultrapassadas, mas que também não se resigna à agenda política da Esquerda.

6. Está a chegar o tempo de uma Direita que assuma uma atitude mais liberal. Mais liberal nos costumes, na economia, na política e na sociedade, nomeadamente no modo como olha e se relaciona com os media.

7. Está a chegar o tempo de uma Direita que acredita na liberdade de cada pessoa e na responsabilidade individual como valores primeiros da Democracia.

8. Está a chegar o tempo de uma Direita que defende o princípio de que a interferência do Estado na esfera privada do cidadão deve ficar circunscrita ao mínimo indispensável.

9. Está a chegar o tempo de uma Direita que acredita no liberalismo económico como factor vital para o aumento de produtividade da economia portuguesa, essencial ao bem-estar dos cidadãos.

10. Está a chegar o tempo de uma Direita que não acredita no fim das ideologias e defende que a Democracia precisa de Esquerda e de Direita porque vive da alternância e o centro não é alternativa.