quarta-feira, junho 29, 2005

Popper e Oakeshott: sempre debaixo do braço

HENRIQUE RAPOSO

1. No século XX, as lições de Hume e Madison encontraram eco em vários autores. Destacamos Michael Oakeshott e Karl Popper. Estes dois homens (cada um à sua maneira) reconstruíram as lições dos iluminismos anglo-saxónicos. Oakeshott e Popper foram as duas torres da tradição liberal durante a segunda metade do século XX. O “Noites à Direita” anda com as suas obras debaixo do braço. E pretende partilhá-las.

2. A par de Aron, Hayek e Berlin, Karl Popper e Michael Oakeshott constituíram a defesa avançada dos regimes demo-liberais durante a segunda metade do século XX europeu. Enquanto defensores do primado do indivíduo e do pluralismo, recusaram, em absoluto, os princípios do monismo racionalista dos marxismos e neo-barra-marxismos que fustigaram o século passado. Estas escolas monistas dogmáticas seduziam (e seduzem) pela sua suposta grandeza teórica ou magnificência moral. Porquê? O racionalista monista cria uma definição una e absoluta de Homem, que tudo simplifica, que tudo harmoniza. Tudo parece perfeito… no papel. Daí a sedução. Aquele que é seduzido pelo monismo julga possuir uma chave intemporal e universal para a compreensão dos homens. Consequência óbvia desta atitude epistemológica: a pluralidade dos homens é reduzida, simplificada e mesmo destruída – daí os massacres produzidos pelas ideologias monistas do século XX. O pluralismo cultural e individual, aos olhos do racionalista monista, é um sintoma de imperfeição e não de riqueza. Em resposta a este ópio intelectual, Oakeshott e Popper sempre defenderam um conceito de liberdade formal e negativa (destinada a defender a liberdade do indivíduo do poder político centralizador) contra uma liberdade substantiva e positiva (a liberdade destinada a um nós usurpador das liberdades individuais: o conceito totalitário de HOMEM).

3. O grande mote da vida de Popper foi a deslegitimação do dogmatismo racionalista. Tal como Isaiah Berlin, criticou todos os sistemas filosóficos que partem do pressuposto de que é possível encontrar uma única fórmula, segundo a qual a pluralidade de interesses e valores dos homens podem ser harmoniosamente ligados num consenso racional. Esta aspiração do marxismo e de outras escolas monistas encontrou em Popper um obstáculo intransponível. E consciente da tentação eterna do monismo racionalista, Popper considerava, e bem, que a grande questão da teoria política não é “quem governa?” mas sim “que poder deve ser concedido ao governo?”. Ou seja, não interessa saber qual é a noção de Bem daquele que ocupa a cadeira do poder. A questão fundamental é, precisamente, limitar a dimensão da dita cadeira. A liberdade individual exige um estado forte mas curto.

4. E Michael Oakeshott? Que dizer do homem que fundiu a famosa disposição conservadora com os princípios e preceitos institucionais do liberalismo clássico? A Política do liberalismo clássico ressuscitou em todo o esplendor em Oakeshott. A política, aqui, consiste na criação de um espaço civil e jurídico comum à pluralidade dos homens (societas). A política não deve tentar criar uma meta colectiva, que, naturalmente, subjuga o livre arbítrio dos indivíduos (universitas). Por outras palavras, a política deve construir e defender as leis e instituições (base civilizacional a montante do livre arbítrio dos indivíduos) e deve ausentar-se da fabricação de destinos racionalistas e utópicos (utopias a jusante do livre arbítrio dos indivíduos).

5. São estes alguns dos princípios que o “Noites à Direita” pretende divulgar e discutir em Portugal.