Leituras Liberais
HENRIQUE RAPOSO, n' O Acidental
"O nosso ponto de referência não tem de ser, necessariamente, a Revolução Francesa. Se nos contentamos com “1789” enquanto referência (negativa), estaremos sempre na defensiva, estaremos sempre dependentes da esquerda; teremos sempre de esperar pelo posicionamento da esquerda sobre assunto “X” para podermos definir a nossa opinião sobre esse mesmo assunto. Ora, temos de nos antecipar. Nós temos de passar a escolher o terreno de batalha. Devemos definir a agenda. Sabes por que razão o movimento conservador americano (completamente heterogéneo – tal como o Acidental…) domina a política americana? Porque marca a agenda. Está na vanguarda de qualquer assunto. Põe os “liberais” na defensiva, na reacção. Literalmente. Porque o termo “reaccionário” não é insulto. Nem sequer tem “substância” (como conservador ou liberal). Nem é exclusivo das direitas. A esquerda também pode ser reaccionária. Aliás, como já aqui o escrevi, as velhas esquerdas são, neste momento, forças reaccionárias.
Tal como Burke, devemos “reagir” a 1789 mas, em simultâneo, devemos “aplaudir” 1776 (Burke, no seu tempo, era um homem de esquerda). Quando reagiu aos jacobinos, Burke estava a reagir em nome do quê? E aqui é preciso perceber o seguinte: Burke (conservador) não é J. de Maistre (reaccionário). Burke, antes de 1789, já havia fundido a chamada “predisposição conservadora” (brilhante termo do nosso Oakeshott) com os preceitos da escola escocesa. Burke tem muito de Adam Smith, de David Hume. Quando digo que sou “conservador liberal” não estou a brincar. Estou a ser burkeano. Burke (espaço britânico) e Madison (espaço americano) representam a fusão de uma predisposição epistemológica céptica e pluralista – isto é, conservadora – com as soluções epistémicas do Liberalismo Clássico. As soluções políticas do liberalismo clássico encaixam, na perfeição, na “ética” conservadora. Quando “inventou” o conservadorismo anglo-saxónico (o verdadeiro, por oposição ao “conservadorismo reaccionário” francês e ao “conservadorismo revolucionário” alemão), Burke estava a defender princípios liberais. Burke criticou 1789 e aplaudiu 1776 exactamente pelas mesmas razões.
Em suma, não temos que fazer o jogo da esquerda. Não temos que jogar à italiana, na retranca, aplicando apenas o contra-ataque. Não temos que ter a Revolução Francesa como ponto de referência. Por que não ter a Revolução Americana como ponto de partida? Quando reagimos à esquerda, devemos, de imediato, apresentar alternativas políticas e epistemológicas. Nós temos de ser a referência. Podemos jogar à holandesa e, mesmo assim, manter a nossa natureza céptica (podemos ser anjos e bestas no mesmo minuto), pluralista (há homens e não Homem) e, sempre, individualista."
"O nosso ponto de referência não tem de ser, necessariamente, a Revolução Francesa. Se nos contentamos com “1789” enquanto referência (negativa), estaremos sempre na defensiva, estaremos sempre dependentes da esquerda; teremos sempre de esperar pelo posicionamento da esquerda sobre assunto “X” para podermos definir a nossa opinião sobre esse mesmo assunto. Ora, temos de nos antecipar. Nós temos de passar a escolher o terreno de batalha. Devemos definir a agenda. Sabes por que razão o movimento conservador americano (completamente heterogéneo – tal como o Acidental…) domina a política americana? Porque marca a agenda. Está na vanguarda de qualquer assunto. Põe os “liberais” na defensiva, na reacção. Literalmente. Porque o termo “reaccionário” não é insulto. Nem sequer tem “substância” (como conservador ou liberal). Nem é exclusivo das direitas. A esquerda também pode ser reaccionária. Aliás, como já aqui o escrevi, as velhas esquerdas são, neste momento, forças reaccionárias.
Tal como Burke, devemos “reagir” a 1789 mas, em simultâneo, devemos “aplaudir” 1776 (Burke, no seu tempo, era um homem de esquerda). Quando reagiu aos jacobinos, Burke estava a reagir em nome do quê? E aqui é preciso perceber o seguinte: Burke (conservador) não é J. de Maistre (reaccionário). Burke, antes de 1789, já havia fundido a chamada “predisposição conservadora” (brilhante termo do nosso Oakeshott) com os preceitos da escola escocesa. Burke tem muito de Adam Smith, de David Hume. Quando digo que sou “conservador liberal” não estou a brincar. Estou a ser burkeano. Burke (espaço britânico) e Madison (espaço americano) representam a fusão de uma predisposição epistemológica céptica e pluralista – isto é, conservadora – com as soluções epistémicas do Liberalismo Clássico. As soluções políticas do liberalismo clássico encaixam, na perfeição, na “ética” conservadora. Quando “inventou” o conservadorismo anglo-saxónico (o verdadeiro, por oposição ao “conservadorismo reaccionário” francês e ao “conservadorismo revolucionário” alemão), Burke estava a defender princípios liberais. Burke criticou 1789 e aplaudiu 1776 exactamente pelas mesmas razões.
Em suma, não temos que fazer o jogo da esquerda. Não temos que jogar à italiana, na retranca, aplicando apenas o contra-ataque. Não temos que ter a Revolução Francesa como ponto de referência. Por que não ter a Revolução Americana como ponto de partida? Quando reagimos à esquerda, devemos, de imediato, apresentar alternativas políticas e epistemológicas. Nós temos de ser a referência. Podemos jogar à holandesa e, mesmo assim, manter a nossa natureza céptica (podemos ser anjos e bestas no mesmo minuto), pluralista (há homens e não Homem) e, sempre, individualista."
2 Comments:
Sem ser nenhuma provocação (antes pelo contrário) nem qualquer intromissão na vossa "linha editorial", achava interessante debater mais temas "morais", como por exemplo a liberalização da prostituição. E outros temas, nãp apenas por ser controversos, mas por realmente porem em questão até onde podemos levar o direito do indivíduo a escolher e a ser autónomo perante o Estado. Suicídio, eutanásia, morte por consentimento (caso do "canibal alemão") põe problemas interessantes, onde se deve separar o caso "teórico" da sua eventual aplicação na "prática".
Discuta, Tiago, que nós temos tido pouco tempo. Escreva que nós publicamos
PPM
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