Leituras liberais
New labour’ ou ‘new liberals’?
JOÃO MARQUES DE ALMEIDA
O discurso de Tony Blair à Convenção do Partido Trabalhista constituiu uma intervenção notável. Quando se ouve ou lê um discurso, com um simbolismo político importante, de um primeiro-ministro, um dos sinais essenciais diz respeito à capacidade de liderança. Numa sociedade de comunicação, é fundamental demonstrar a liderança política através da linguagem e do discurso público. Quando o interveniente em causa é o primeiro-ministro britânico, o interesse aumenta. Não só devido à reputação das suas qualidades de liderança, de resto reconhecidas por muitos por toda a Europa, mesmo entre os seus adversários políticos. Mas também pelo peso e a importância da Grã-Bretanha na política europeia e mundial.
A carreira política de Blair tem sido marcada por sucessivos exemplos de uma forte liderança. Antes de mais, foi capaz de alterar a natureza do partido trabalhista, acabando com a influência de dogmas ideológicos ultrapassados. Neste sentido, tem imposto políticas económicas, sociais e de educação, impensáveis no mundo trabalhista britânico há uma década. Há, no entanto, três episódios que revelam a qualidade da sua liderança: a questão da Irlanda do Norte, a guerra do Iraque e a resposta aos ataques terroristas de 7 de Julho. No primeiro caso, desde o Acordo inicial de 1998 (’Good Friday Agreement’) até à deposição de armas por parte do IRA, na semana passada, Blair demonstrou uma paciência e uma determinação impressionantes. Antes dele, muitos líderes britânicos empenharam-se na resolução do conflito irlandês; todos fracassaram. Basta que ele tenha sucesso, para já não sair da História britânica. Em relação ao Iraque, apesar de erros cometidos, a sua coragem foi admirável. Quantos líderes políticos conseguiriam participar numa guerra, que consideram justa (mesmo que isso seja discutível), com a sua população dividida, e com grande parte do seu partido a opor-se? Por fim, a reacção aos ataques terroristas do passado mês de Julho foi exemplar, no equilíbrio entre, por um lado, a raiva e a firmeza e, por outro lado, a abertura e o apoio à população muçulmana britânica.
No seu último discurso, Blair revela a sua capacidade de liderança nas ideias defendidas. Há dois aspectos impressionantes nas intervenções do Primeiro Ministro britânico. Em primeiro lugar, a ousadia e a frontalidade do seu discurso. Blair não tem medo das palavras e das expressões fortes, e não se rende aos lugares comuns, nem ao politicamente correcto. Recomendo um exercício interessante ao leitor. Compare a intervenção, na semana passada em Lisboa, do filósofo francês, Bernard Henri Levy, um espírito livre e sem responsabilidades políticas, com o discurso de Blair. Descobre-se a mesma liberdade de pensamento, o que é extraordinário para um líder político. Em segundo lugar, a capacidade de persuasão do líder trabalhista não pára de espantar. Sigo há anos as intervenções de Blair nas conferências do seu partido e estou sempre à espera do dia em que o entusiasmo da audiência morreu. Esse dia ainda não chegou. A maioria dos delegados trabalhistas ataca a guerra do Iraque, critica a América e Bush, amaldiçoa o “neo-liberalismo” e, entre dentes, acusa Blair. O primeiro-ministro sobe ao palco, justifica a sua intervenção no Iraque, defende a sua aliança com Washington, assume o seu liberalismo, e recebe ovações da audiência. Uma das qualidades mais marcantes da liderança política é fazer os outros acreditar naquilo que antes discordavam. Por fim, para aqueles que ainda não desistiram da agenda liberal, ouvir um líder político defender o liberalismo, no meio de algum histerismo anti-liberal europeu, permite manter alguma esperança na “boa velha Europa”.
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João Marques de Almeida é director do Instituto de Defesa Nacional e assina esta coluna semanalmente à segunda-feira no "Diário Económico".
JOÃO MARQUES DE ALMEIDA
O discurso de Tony Blair à Convenção do Partido Trabalhista constituiu uma intervenção notável. Quando se ouve ou lê um discurso, com um simbolismo político importante, de um primeiro-ministro, um dos sinais essenciais diz respeito à capacidade de liderança. Numa sociedade de comunicação, é fundamental demonstrar a liderança política através da linguagem e do discurso público. Quando o interveniente em causa é o primeiro-ministro britânico, o interesse aumenta. Não só devido à reputação das suas qualidades de liderança, de resto reconhecidas por muitos por toda a Europa, mesmo entre os seus adversários políticos. Mas também pelo peso e a importância da Grã-Bretanha na política europeia e mundial.
A carreira política de Blair tem sido marcada por sucessivos exemplos de uma forte liderança. Antes de mais, foi capaz de alterar a natureza do partido trabalhista, acabando com a influência de dogmas ideológicos ultrapassados. Neste sentido, tem imposto políticas económicas, sociais e de educação, impensáveis no mundo trabalhista britânico há uma década. Há, no entanto, três episódios que revelam a qualidade da sua liderança: a questão da Irlanda do Norte, a guerra do Iraque e a resposta aos ataques terroristas de 7 de Julho. No primeiro caso, desde o Acordo inicial de 1998 (’Good Friday Agreement’) até à deposição de armas por parte do IRA, na semana passada, Blair demonstrou uma paciência e uma determinação impressionantes. Antes dele, muitos líderes britânicos empenharam-se na resolução do conflito irlandês; todos fracassaram. Basta que ele tenha sucesso, para já não sair da História britânica. Em relação ao Iraque, apesar de erros cometidos, a sua coragem foi admirável. Quantos líderes políticos conseguiriam participar numa guerra, que consideram justa (mesmo que isso seja discutível), com a sua população dividida, e com grande parte do seu partido a opor-se? Por fim, a reacção aos ataques terroristas do passado mês de Julho foi exemplar, no equilíbrio entre, por um lado, a raiva e a firmeza e, por outro lado, a abertura e o apoio à população muçulmana britânica.
No seu último discurso, Blair revela a sua capacidade de liderança nas ideias defendidas. Há dois aspectos impressionantes nas intervenções do Primeiro Ministro britânico. Em primeiro lugar, a ousadia e a frontalidade do seu discurso. Blair não tem medo das palavras e das expressões fortes, e não se rende aos lugares comuns, nem ao politicamente correcto. Recomendo um exercício interessante ao leitor. Compare a intervenção, na semana passada em Lisboa, do filósofo francês, Bernard Henri Levy, um espírito livre e sem responsabilidades políticas, com o discurso de Blair. Descobre-se a mesma liberdade de pensamento, o que é extraordinário para um líder político. Em segundo lugar, a capacidade de persuasão do líder trabalhista não pára de espantar. Sigo há anos as intervenções de Blair nas conferências do seu partido e estou sempre à espera do dia em que o entusiasmo da audiência morreu. Esse dia ainda não chegou. A maioria dos delegados trabalhistas ataca a guerra do Iraque, critica a América e Bush, amaldiçoa o “neo-liberalismo” e, entre dentes, acusa Blair. O primeiro-ministro sobe ao palco, justifica a sua intervenção no Iraque, defende a sua aliança com Washington, assume o seu liberalismo, e recebe ovações da audiência. Uma das qualidades mais marcantes da liderança política é fazer os outros acreditar naquilo que antes discordavam. Por fim, para aqueles que ainda não desistiram da agenda liberal, ouvir um líder político defender o liberalismo, no meio de algum histerismo anti-liberal europeu, permite manter alguma esperança na “boa velha Europa”.
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João Marques de Almeida é director do Instituto de Defesa Nacional e assina esta coluna semanalmente à segunda-feira no "Diário Económico".
1 Comments:
Exmo Sr eu só gostava de saber o que é a direita liberal, sabe, é que de cada vez que me tentam explicar começam por dizer "é uma espécie de..." o que me faz ter um arrepio e pensar que não quero ser guiado por espécies de nada.
melhores cumprimentos.
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