quarta-feira, setembro 21, 2005

"Noites à Direita" no "Diário Económico"

A guerra da cultura

RUI RAMOS

Entre tanta coisa que dizem ter faltado a Angela Merkel, para além do carisma e da sorte, há quem acrescente a “cultura”. Entre tanta coisa que dizem ter faltado a Angela Merkel, para além do carisma e da sorte, há quem acrescente a “cultura”. Foi o que fez, há um par de semanas, Gunther Grass. Não é só no Terceiro Mundo que o Nobel da Literatura confere um mandato para pregar à nação. Na Alemanha, segundo Grass, a eleição teria sido uma batalha entre a “cultura” e o “economicismo”. É um ponto de vista curioso. No princípio do século XX, a Alemanha era gozada, em Inglaterra e em França, como o país da “Kultur”. Então, eram os conservadores quem invocava a “cultura” para explicar que a Alemanha não podia ser uma democracia liberal. Hoje, são os “progressistas” que o fazem para argumentar que à Europa está vedado o caminho do mercado.
É verdade que Grass não se estava a referir à cultura no sentido antropológico, mas no sentido burocrático: as actividades de lazer e formação controladas, na Europa, pelos ministérios da cultura ou educação. De facto, Merkel não pôde contar com o aplauso de tantas celebridades subsidiadas como o chanceler Schroeder, nem exibir, como este, a glória suprema de ter fundado o ministério federal da cultura. Haverá aqui uma diferença importante entre as esquerdas e as direitas? Uma parte da nossa direita prepara-se para discutir o tema. Será amanhã, quinta-feira, às oito e meia da noite, no Teatro S. Luís, com a ajuda de António Mega Ferreira.
Há gente à direita, como Paul Johnson, que experimenta um prazer perverso em tratar os “intelectuais” com a mesma indignação furiosa com que a esquerda socialista trata os presidentes americanos. Mas os marxistas, nos seus tempos de glória, eram capazes da mesma iconoclastia anti-intelectual. O mês passado, a morte do historiador Maurice Cowling levou alguns dos líderes do Partido Conservador inglês a confessar o que deviam a esse velho guru académico. Afinal, até as direitas têm intelectuais. Mas talvez mais discretamente.
A diferença entre as esquerdas e as direitas é, apesar dos alarmes de Grass, sobretudo mitológica. A falta de dinheiro faz qualquer socialista racionar subsídios, tal como o desejo de propaganda transforma o mais mesquinho conservador num mecenas excessivo. Em Portugal, no século XX, foram as direitas nacionalistas quem, em primeiro lugar, imaginou o aparato daquilo a que Marc Fumaroli chamou o “Estado Cultural”. António Ferro, e não Jack Lang, é o verdadeiro antepassado dos nossos actuais mecenas do orçamento. Em França, o ministério da cultura foi criado por De Gaulle, cujos herdeiros têm hoje um poeta à frente do governo. De resto, nas eleições portuguesas de Fevereiro, a “cultura” mal permitiu distinguir entre partidos: quase todos prometeram reduções do IVA, a afectação de uma percentagem do PIB, etc. Podíamos discutir as vantagens deste proteccionismo. Mas há um ponto mais importante.
Sem Grass, Merkel perdeu. Mas com Grass, Schroder não ganhou. Uma mascote literária não chega. A cultura, em política, deveria ser mais do que dar para o peditório das artes. A cultura deveria ser o nome da política quando vai para além das manobras e das promessas avulsas, e assenta numa visão ética, na determinação de ligar os cidadãos entre si e levá-los a contemplar, sem medo nem egoísmo, outras possibilidades e novas responsabilidades. A política, parafraseando Jakob Burckhardt, pode ser uma obra de arte, uma actividade de criação e comunhão. É de políticos que sejam criadores de cultura que as nações europeias precisam, e não de imitações baratas de Jack Lang. Mas continuaremos a discussão amanhã, no S. Luís.

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Rui Ramos é historiador, professor universitário e assina esta coluna semanalmente à quarta-feira no "Diário Económico".

1 Comments:

Blogger Ralf Wokan said...

Peço mais informações.
Tenho grande interesse em conhecer o V/ponto de vista sobre a politica na Alemanha.
Cumprimentos
Konrad

3:31 da tarde  

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