segunda-feira, setembro 05, 2005

Leituras liberais

O verdadeiro “modelo sueco”

JOÃO MARQUES DE ALMEIDA

Por toda a Europa, e não só em Portugal, o “modelo sueco” desperta grande entusiasmo. Na Grã-Bretanha, consta que o modelo é o grande inspirador de muitas políticas económicas do “New Labour”. Durante a actual campanha eleitoral na Alemanha, o actual Chanceler, Gerard Schroeder, revelou que a sua ambição é fazer da Alemanha uma “grande Suécia”. Até em França, nestas coisas de modelos tradicionalmente mais nacionalista, o primeiro-ministro, Dominique de Villepin, confessou que a sua política económica se inspira, em parte, nomodelo nórdico. Partindo do pressuposto de que se pode falar de um “modelo sueco”, qual é então a sua natureza?
Em 1950, a Suécia era o país mais rico da Europa, mas simultaneamente tinha um dos sectores públicos mais reduzidos do mundo ocidental, ao nível dos Estados Unidos. A partir das décadas de 1960 e de 1970 começaram os problemas. O sector público cresceu de um modo incontrolado. Por exemplo, enquanto em 1950 gastava cerca de 25% do produto interno, em1982 os gastos subiram para 65%. Um outro exemplo revela que, entre 1970 e 1990, o sector privado não criou um único posto de trabalho; por outro lado, no mesmo período, quase um milhão de suecos passaram a trabalhar para o Estado. Simultaneamente, os impostos aumentaram, transformando a Suécia no país com os impostos mais elevados do mundo ocidental, e a criação de riqueza estagnou. Entre os finais dos anos 1950 e os finais dos anos 1980, nas tabelas da OCDE dos países mais ricos, a Suécia passou do quarto para o décimo sétimo lugar.
Mais grave, o aumento do Estado retirou liberdade económica e capacidade de iniciativa aos cidadãos suecos, a receita para o crescimento económico dos meados do século XX. Enfim, a deriva social do “modelo sueco” diminuiu a riqueza, criou um “Estado tutor”, e originou uma espécie de “epidemia abstencista”, em quem muitos suecos preferiam viver da segurança social do que trabalhar. Em 1990, deu-se o colapso do “modelo social sueco”.
Em quatro anos, perderam-se meio milhão de empregos e o governo foi incapaz de controlar uma dupla crise de finanças públicas e fiscal. Entretida com o que se passava a leste, o resto da Europa não se apercebeu nem do colapso sueco, nem da revolução que se seguiu. O ressurgimento liberal foi o primeiro passo para as mudanças. Carl Bildt, líder do Partido Conservador e primeiro-ministro entre 1991 e 1994, iniciou a liberalização do “modelo sueco”: privatizou, reduziu o sector público e diminuiu os impostos.
Desde 1996, o actual primeiro-ministro social-democrata, Goran Petersson, abandonou a visão social que Olaf Palme tinha imposto ao partido, e manteve as reformas liberais, num processo de resto muito semelhante à “terceira via” de Blair.
Hoje, o “Estado tutor” desapareceu e, no seu lugar, surgiu um Estado mais reduzido que coopera com a sociedade, que voltou a garantir a liberdade económica e estimula a iniciativa privada. A economia voltou a crescer e o desemprego a diminuir. É óbvio que a Suécia ainda enfrenta problemas sérios, mas a verdade é que recuperou do colapso dos anos 1990, com a aplicação de receitas liberais.
Devemos retirar duas conclusões do exemplo sueco. Em primeiro lugar, quem olha para omodelo sueco, deve ter a consciência dos problemas causados pela deriva social dos anos de 1970 e 1980. Em segundo lugar, contra a vontade do autor, cumpriu-se a profecia do pai fundador do modelo social sueco, Gunnar Myrdal, que em 1934 escreveu: “se o Estado providência não funcionar na Suécia, então não resultará em mais algum país”.

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João Marques de Almeida é director do Instituto de Defesa Nacional e assina esta coluna semanalmente no "Diário Económico" à segunda-feira.