quinta-feira, agosto 18, 2005

Leituras Liberais

O peso do Estado

LUCIANO AMARAL

Quando se trata de apresentar soluções para a nossa crise económica, no topo da lista vem sempre a redução do “peso do Estado”. A ideia não é exclusiva da “direita”. Do CDS ao PS, já quase toda a gente, com sinceridade variável, afirmou que o “peso do Estado” é “excessivo” e que é impreterível reduzi-“lo”. É fácil perceber porquê. O Estado representa, se a sua dimensão for medida através da proporção da despesa pública pelo PIB, 50% deste, ou seja, metade do nosso rendimento. De forma mais próxima da vida concreta das pessoas, isto significa o rendimento directo de um gigantesco (sem exagero) número de indivíduos e famílias.
Existem, a expensas directas do Estado, cerca de 4 milhões de pensionistas e subsidiados (desde os desempregados a outros avulsos), e cerca de 700.000 a 800.000 funcionários públicos, a que teríamos de juntar os que para ele trabalham em regime precário. Tudo junto, teremos portanto cerca de 5 milhões de indivíduos cujo rendimento está directamente dependente do Orçamento do Estado. Dito de outra forma, estamos perante aproximadamente metade da população portuguesa ou algo equivalente ao total da população activa. Mas o “peso do Estado” não acaba aqui, já que nele se inclui a prestação de serviços essenciais à nossa vida, desde o ensino dos nossos filhos (que é maioritariamente público) aos cuidados de saúde (idem).
É natural que, chegados a este ponto de dependência do Estado, as resistências à redução do seu “peso” sejam enormes. É natural que, quando ouve falar em “cortes”, uma grande parte da população não se fique. Quem gosta de ver o seu rendimento diminuído? É por isso que a chamada redução do “peso do Estado” não pode depender apenas dos cortes indiscriminados em que os últimos governos se têm especializado. Não se pode pedir às pessoas gratidão a troco da sua bolsa e da sua vida. É por isso que o bordão da redução do “peso do Estado” nunca se cumpre. De resto, por si só essa redução pouco representaria. A redução do “peso do Estado”, que é efectivamente uma parte essencial de qualquer programa de reforma económica e política para Portugal, tem de ser complementada com bastante mais.
Desde logo, complementada com um plano sistemático de substituição (pelo menos parcial) da prestação daqueles serviços por meios privados, das escolas aos serviços de saúde, passando pelas pensões. Os agentes privados, porém, não prestarão aqueles serviços de forma útil aos indivíduos e famílias se não forem enquadrados num ambiente legislativo e institucional que os ajude a prestá-los em boas condições. Nem sequer invoco aqui exemplos que logo alguém se lembraria de rotular de “neoliberais” ou “selvagens”. Basta lembrar o caso dos países escandinavos, onde uma parte significativa da segurança social depende de contas privadas, onde têm sido introduzidos os cheque-saúde e ensino, e onde os serviços de saúde têm sido privatizados. Não proponho aqui que se repitam os exemplos; sugiro apenas que talvez valesse a pena estudá-los.
Só que nem sequer isto basta. É preciso também que alguém se substitua ao Estado na criação de emprego (e, portanto, de riqueza). Não se pode esperar que a iniciativa privada floresça onde existe uma fiscalidade punitiva, onde a legislação laboral (consagrada constitucionalmente) é um obstáculo permanente à reestruturação das empresas, os mecanismos de licenciamento são tão lentos que a corrupção (o uso da famosa “luva”) não pode deixar de ser uma prática generalizada, ou a justiça é tão morosa que desincentiva a assunção de riscos empresariais. E para repensar estas condições é preciso perder a vergonha de afirmar que os empresários são essenciais para a criação de riqueza. Não estamos aqui a falar daquele tipo de empresário que abunda em Portugal, o qual gasta mais tempo na barganha com o governo central ou autárquico do que a investir, mas precisamente do empresário que não tenha de fazer isso. Também é preciso deixar de chamar “capitalista selvagem”, “insensível social” ou “fanático neoliberal” a quem defende ideias como estas.
O “peso do Estado” não é uma mera realidade contabilística que possa ser simplesmente aumentada ou diminuída ao sabor dos desejos governamentais. O “peso do Estado” corresponde à própria organização política da nossa comunidade. Para diminuir o “peso do Estado” é preciso encontrar uma solução política, cuja base terá de ser uma organização da sociedade diferente, embora da mesma família, da actual. Não basta trazer para o governo ministros das Finanças dispostos à dureza e depois esperar que tudo continue como dantes, quartel-general em Abrantes. É preciso trazer também ideias que enquadrem e sustentem a dureza, sobretudo para quando os tempos ficarem difíceis. Se não, é como se tem visto: à primeira contrariedade, uns fogem do pântano, outros para Bruxelas, outros constroem TGVs. Porque não duvidemos, o TGV é já fuga de Sócrates, a sua “Bruxelas”. E caso nada mude, novas “Bruxelas” ou TGVs virão.

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Luciano Amaral é professor universitário, promotor das "Noites à Direita" e assina esta coluna semanalmente à quinta-feira no "Diário de Notícias"