Algumas linhas possíveis para a escola pública (ou por que razão os professores apoiariam um sistema de ensino diferente)
HENRIQUE RAPOSO
1. Existe um estranho mito em Portugal: os liberais só querem ensino privado; comem escolas públicas ao pequeno-almoço; palitam os dentes com professores do ensino público. Sem dúvida, um mito conveniente para o status quo do nosso sistema de ensino. Interessa, portanto, exterminá-lo. Vamos por partes.
2. Os liberais sabem de uma coisa: os estados modernos precisam de um sistema de ensino público. A defesa intransigente da liberdade de acção do ensino privado não deve ser entendida como um ataque à própria existência do ensino público. Sem ensino público, não há estado. E sem estado, não há liberalismo, seja ele qual for.
3. Mas, obviamente, um programa liberal para a escola pública (estamos a pensar, sobretudo, no secundário) põe em causa o actual sistema de ensino português, uma verdadeira glória ao centralismo socialista.
Por que razão o ministério, situado em Lisboa, tem o direito de decidir o quadro de professores da secundária de Vila Real de Santo António ou de Carrazeda de Anciães? Um programa liberal deveria começar por descentralizar a administração. As escolas passariam a ter autonomia a vários níveis, sobretudo ao nível da escolha dos professores. Isto responsabilizaria os conselhos directivos. Quando uma escola tem maus resultados, os professores culpam o sistema. Com esta descentralização, a culpa não morreria solteira. Os professores passariam a trabalhar na defesa da sua própria competência e não em nome de um patrão que nunca tem cara: o estado. Mais: criar-se-ia um espírito de comunidade. Todas as escolas perderiam as ridículas designações centralistas (C + S da Póvoa de…; n.º 14 de Vila Nova de…) e passariam a envergar um nome representativo da comunidade em questão. Mais: dado que se passaria a trabalhar para a comunidade local, cada escola passaria a ter maior liberdade curricular. Felizmente, somos um país diverso e pluralista. Cada região tem necessidades diferentes. Cada escola tem o dever de responder a isso.
4. Mas as mudanças estruturais nunca teriam efeito se não alterássemos o caos ideológico do sistema. As doutrinas pedagógicas vigentes retiraram qualquer tipo de centralidade ao Professor. O Professor já não aquele que ensina. O Professor é uma espécie de amigo que dá palmadinhas nas costas. A escola já não é o local onde se aprende. A escola é apenas um espelho dos desejos dos alunos. Exemplo: gostam do Big Brother? Então coloca-se esse programa de TV no currículo de ensino.
Resultado desta inversão de prioridades: o sistema de ensino português cria anualmente pessoas que não sabem escrever, pensar, contar, etc. É tempo do Professor voltar a ser aquilo que sempre foi: o mestre que ensina. É tempo do aluno voltar a fazer aquilo que tem de fazer: aprender.
5. Os sindicatos (senhores da organização centralista e da pedagogia vigente) protestariam? Fariam greves? Pois que fizessem. Mas os professores, os verdadeiros, estariam connosco. É tempo, meus caros. É tempo, meus caros professores. É tempo de voltarem a ser verdadeiros professores.
1. Existe um estranho mito em Portugal: os liberais só querem ensino privado; comem escolas públicas ao pequeno-almoço; palitam os dentes com professores do ensino público. Sem dúvida, um mito conveniente para o status quo do nosso sistema de ensino. Interessa, portanto, exterminá-lo. Vamos por partes.
2. Os liberais sabem de uma coisa: os estados modernos precisam de um sistema de ensino público. A defesa intransigente da liberdade de acção do ensino privado não deve ser entendida como um ataque à própria existência do ensino público. Sem ensino público, não há estado. E sem estado, não há liberalismo, seja ele qual for.
3. Mas, obviamente, um programa liberal para a escola pública (estamos a pensar, sobretudo, no secundário) põe em causa o actual sistema de ensino português, uma verdadeira glória ao centralismo socialista.
Por que razão o ministério, situado em Lisboa, tem o direito de decidir o quadro de professores da secundária de Vila Real de Santo António ou de Carrazeda de Anciães? Um programa liberal deveria começar por descentralizar a administração. As escolas passariam a ter autonomia a vários níveis, sobretudo ao nível da escolha dos professores. Isto responsabilizaria os conselhos directivos. Quando uma escola tem maus resultados, os professores culpam o sistema. Com esta descentralização, a culpa não morreria solteira. Os professores passariam a trabalhar na defesa da sua própria competência e não em nome de um patrão que nunca tem cara: o estado. Mais: criar-se-ia um espírito de comunidade. Todas as escolas perderiam as ridículas designações centralistas (C + S da Póvoa de…; n.º 14 de Vila Nova de…) e passariam a envergar um nome representativo da comunidade em questão. Mais: dado que se passaria a trabalhar para a comunidade local, cada escola passaria a ter maior liberdade curricular. Felizmente, somos um país diverso e pluralista. Cada região tem necessidades diferentes. Cada escola tem o dever de responder a isso.
4. Mas as mudanças estruturais nunca teriam efeito se não alterássemos o caos ideológico do sistema. As doutrinas pedagógicas vigentes retiraram qualquer tipo de centralidade ao Professor. O Professor já não aquele que ensina. O Professor é uma espécie de amigo que dá palmadinhas nas costas. A escola já não é o local onde se aprende. A escola é apenas um espelho dos desejos dos alunos. Exemplo: gostam do Big Brother? Então coloca-se esse programa de TV no currículo de ensino.
Resultado desta inversão de prioridades: o sistema de ensino português cria anualmente pessoas que não sabem escrever, pensar, contar, etc. É tempo do Professor voltar a ser aquilo que sempre foi: o mestre que ensina. É tempo do aluno voltar a fazer aquilo que tem de fazer: aprender.
5. Os sindicatos (senhores da organização centralista e da pedagogia vigente) protestariam? Fariam greves? Pois que fizessem. Mas os professores, os verdadeiros, estariam connosco. É tempo, meus caros. É tempo, meus caros professores. É tempo de voltarem a ser verdadeiros professores.
11 Comments:
Concordo, mas essas alterações teriam que chegar também às universidades, de modo a termos um sistema educativo integrado.
Elas deveriam ter autonomia total para poderem estabelecer condições de acesso que achassem necessárias sem estarem sujeitas às leis de mercado das notas. Deveria de haver concorrência/competição entre as universidades pela qualidade. E isso faz-se pela selecção que não se restringe de maneira nenhuma às notas.
Isto tudo na sequência de que o ónus de ensino está sempre do lado das instituições e professores, não do dos alunos (e a mania socialista de que os alunos são sempre uns coitadinhos, meu Deus).
Henrique tens de concordar que o teu texto não é de esquerda nem de direita...
1) Descentralizar a escolha dos docentes só iria aumentar o favoritismo local. Quem pensa que as escolas escolheriam os professores pela sua «competência» é muito ingénuo.
2) Cada região tem necessidade de aprender a mesma matemática, a mesma língua portuguesa, o mesmo ingês, a mesma física, a mesma História, etc. A «autonomia local», a nível dos currículos, só faz sentido para 5% do programa.
3) No parágrafo 4 defende-se implicitamente o centralismo, ao contrário do que se fizera no parágrafo anterior. E faz um diagnóstico francamente exagerado.
4) Carrazeda de AnSiães.
Caro Ricardo Alves,
- Os professores que dirigem a escola (conselho directivo) seriam directamente responsabilizáveis. Poderiam escolher “amigos” incompetentes, mas isso custar-lhes-ia caro. Responsabilizar é a chave.
- É óbvio que deve haver Português, História, Inglês, Matemática para todos, mas não tem de haver um ramo comum, não tem de haver um manual nacional (já reparou na ressonância disto: “manual nacional”; "exame nacional"). Por que razão o “português” tem de ser igual para todos? Por que razão os professores não podem escolher os autores a "dar"? Por que razão um professor de português tem de “dar” quinze dias de C. Verde e quinze dias de Pessoa? Só porque existe um calendário nacional? Por que razão não dar liberdade ao professor para dar um mês de Pessoa? Por que não um ano? Por que razão não fazer uma lista consensual de autores, onde cada professor, local e pessoalmente, escolheria? (Mais: o professor poderia dar a escolher a cada aluno aquilo que queria estudar e, assim, responsabilizaria o próprio aluno.
- Responsabilizar, meu caro.
Caro Henrique Raposo,
-custar-lhes-ia caro como? Está convencido de que muita gente escolhe a escola em função da posição em seriações («rankings» no português da direita)? Quase ninguém...
A maior parte das pessoas escolhe a escola dos filhos em função de factores como a proximidade geográfica.
Além disso, a «competência» dos professores é difícil de avaliar. Que critério propõe?
-Os seus exemplos são só do português e, honestamente, é isso que sempre aconteceu. Os professores de português sempre escolheram os autores que mais lhes deram na gana. Agora quer alargar isso à Matemática e à Física? Como?
-E mais ainda: se, no exercício dessa estupenda «descentralização dos currículos», os profes por esse país fora começassem a «ensinar» com o Big Brother, com o Quim Barreiros, ou com o poeta da aldeia, com que cara ficariao Henrique Raposo?
Mais um texto lucido, equilibrado e bem escrito... well done.
É curioso ver que este blog tem muitos leitores que, pela primeira vez, têm contacto com uma perspectiva liberal da situação.
Apesar de ter dúvidas se de liberalismo se trata. Não vejo que seja imperativo existir um sistema público de ensino. Uma alternativa era todo o ensino ser em escolas privadas e o estado dar meios a quem não pode pagar para também as frequentar.
Quem se intitula liberal não tem que incorrer em cedências para com o socialismo, apenas para as ideias serem mais comestíveis. Tem que estar apenas atento à realidade.
Para já, os passos a seguir são os descritos no post, sem dúvida, porque não há outra alternativa viável. Mas que não se diga que é essa a solução ideal por excelência.
Caro Mário,
- Defender um sistema de ensino público não significa qualquer cedência ao socialismo.
- Sugiro-lhe que leia a história do liberalismo. Não há liberalismo sem estado. E não há estado moderno sem sistema de ensino público. É tão simples como isso. O liberalismo não é apenas a celebração da sociedade civil. Não se esqueça: há sociedade civil porque há estado para a proteger.
- Meu caro, o Liberalismo não é uma utopia, não é uma fórmula mágica. Os liberais não devem ser marxistas ao contrário.
um abraço e obrigado pelo comentário pertinente,
Henrique Raposo
Tendes toda a razão! Docentes e discentes devem assumir os seus deveres.
Mas é preciso que se saiba a quantidade enorme de professores péssimos que existem por todo o país.
Foi criado um novo blogue, Indocentes, que mostra ao mundo histórias reais de professores que deviam atirar-se ao rio de vergonha!
Visitai. A contribuição é aberta a todos:
Indocentes
cumprimentos
Uma dúvida:
O liberalismo, que defende a liberdade do indivíduo, admite que este usufrua da liberdade de ser analfabeto? Ou seja, na vossa opinião, o liberalismo é compatível com o ensino obrigatório?
Obrigado.
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