A racionalidade depois da indignação
HENRIQUE RAPOSO
Depois da emoção, a razão. O que devem fazer os liberais clássicos perante o 7 de Julho? Aquilo que os liberais clássicos sempre fizeram: (1) recordar aquilo que temos de defender e (2) conhecer a ideologia do inimigo.
1. Londres simboliza aquilo que um liberal clássico ambiciona: uma cidade que funciona como plataforma comum para uma pluralidade imensa de culturas. E, atenção, não estamos a falar do multiculturalismo normativo que proclama direitos diferentes para grupos diferentes. Não. Estamos a falar do sonho cosmopolita de Madison ou Kant: uma plataforma política comum, um chão jurídico comum onde todos são iguais perante a lei. É essa a grandeza do constitucionalismo liberal: transforma “estranhos” em “vizinhos”.
E, já agora, convém distinguir Cosmopolitismo constitucional do Multiculturalismo romântico. O Cosmopolitismo junta as pessoas numa plataforma comum. Baseia-se no primado do indivíduo e na universalidade da igualdade perante a lei. A sua base é a Constituição. O Multiculturalismo tem o condão de separar as pessoas, criando plataformas separadas. A sua base não é a lei comum, o acordo constitucional que consagra a igualdade legal, mas a diferenciação com base na cor da pele, na fé, etc. É reaccionarismo com embalagem progressista.
2. O pluralismo de culturas gerido por uma plataforma legal comum representa a anulação absoluta dos ideais dos islamitas. É por isso que ocorreu o 11 de Setembro (convém recordar que a cronologia não é maleável: o 11 de Setembro ocorreu antes da Guerra do Iraque. Para que conste). A nossa simples existência é uma afronta a Bin Laden. A ideologia de Bin Laden depende de uma coisa: a nossa anulação (ler Lee Harris). Para Bin Laden o Ocidente cosmopolita não é habitado por seres humanos mas por animais. Há uma total negação ética. A civilização ocidental é reduzida a uma massa de parasitas.
Mas o mais surpreendente é que isto não é nada de novo. Esta desumanização do Ocidente foi inventada pelos próprios… ocidentais. Ou melhor, por alguns. Este islamismo, como já indicam, entre outros, Ian Buruma e John Gray, importou muita coisa de ideologias europeias. Melhor: importou muita coisa de ideologias alemãs pós-Kant e pré-1945. O legado do movimento romântico (o purismo culturalista da Gemeinschaft romântica versus a impureza babilónica da Gesellschaft liberal) está presente em Bin Laden. Por outras palavras, ocorreu uma contaminação ideológica. As ideias, afinal, têm o poder de galgar fronteiras civilizacionais.
A importação da filosofia alemã foi conduzida por vários intelectuais islâmicos, os precursores de Bin Laden: os iranianos Ali Shari’ati (1933-1977) e Muhamud Tareqani (1910-1979), o paquistanês Mawlana Mawdudi (1903-1979), e acima de tudo, Sayyd Qutb (1906-1966). Mas sobre isto deve-se ler Ian Buruma e Avishai Margalit, John Gray ou Paul Berman. (existem edições portuguesas dos libros do Buruma e do Gray).
3.Meus caros liberais clássicos, não há um choque civilizacional. Não é possível culpar uma civilização inteira. E mesmo que fosse possível? Teríamos como “inimigo” uma civilização? Que fique assente: não há choque civilizacional. Há, isso sim, uma guerra ideológica. Temos de defender a nossa “ideologia” e destruir a do “adversário”. Tal como fizemos ao longo do século XX.
Depois da emoção, a razão. O que devem fazer os liberais clássicos perante o 7 de Julho? Aquilo que os liberais clássicos sempre fizeram: (1) recordar aquilo que temos de defender e (2) conhecer a ideologia do inimigo.
1. Londres simboliza aquilo que um liberal clássico ambiciona: uma cidade que funciona como plataforma comum para uma pluralidade imensa de culturas. E, atenção, não estamos a falar do multiculturalismo normativo que proclama direitos diferentes para grupos diferentes. Não. Estamos a falar do sonho cosmopolita de Madison ou Kant: uma plataforma política comum, um chão jurídico comum onde todos são iguais perante a lei. É essa a grandeza do constitucionalismo liberal: transforma “estranhos” em “vizinhos”.
E, já agora, convém distinguir Cosmopolitismo constitucional do Multiculturalismo romântico. O Cosmopolitismo junta as pessoas numa plataforma comum. Baseia-se no primado do indivíduo e na universalidade da igualdade perante a lei. A sua base é a Constituição. O Multiculturalismo tem o condão de separar as pessoas, criando plataformas separadas. A sua base não é a lei comum, o acordo constitucional que consagra a igualdade legal, mas a diferenciação com base na cor da pele, na fé, etc. É reaccionarismo com embalagem progressista.
2. O pluralismo de culturas gerido por uma plataforma legal comum representa a anulação absoluta dos ideais dos islamitas. É por isso que ocorreu o 11 de Setembro (convém recordar que a cronologia não é maleável: o 11 de Setembro ocorreu antes da Guerra do Iraque. Para que conste). A nossa simples existência é uma afronta a Bin Laden. A ideologia de Bin Laden depende de uma coisa: a nossa anulação (ler Lee Harris). Para Bin Laden o Ocidente cosmopolita não é habitado por seres humanos mas por animais. Há uma total negação ética. A civilização ocidental é reduzida a uma massa de parasitas.
Mas o mais surpreendente é que isto não é nada de novo. Esta desumanização do Ocidente foi inventada pelos próprios… ocidentais. Ou melhor, por alguns. Este islamismo, como já indicam, entre outros, Ian Buruma e John Gray, importou muita coisa de ideologias europeias. Melhor: importou muita coisa de ideologias alemãs pós-Kant e pré-1945. O legado do movimento romântico (o purismo culturalista da Gemeinschaft romântica versus a impureza babilónica da Gesellschaft liberal) está presente em Bin Laden. Por outras palavras, ocorreu uma contaminação ideológica. As ideias, afinal, têm o poder de galgar fronteiras civilizacionais.
A importação da filosofia alemã foi conduzida por vários intelectuais islâmicos, os precursores de Bin Laden: os iranianos Ali Shari’ati (1933-1977) e Muhamud Tareqani (1910-1979), o paquistanês Mawlana Mawdudi (1903-1979), e acima de tudo, Sayyd Qutb (1906-1966). Mas sobre isto deve-se ler Ian Buruma e Avishai Margalit, John Gray ou Paul Berman. (existem edições portuguesas dos libros do Buruma e do Gray).
3.Meus caros liberais clássicos, não há um choque civilizacional. Não é possível culpar uma civilização inteira. E mesmo que fosse possível? Teríamos como “inimigo” uma civilização? Que fique assente: não há choque civilizacional. Há, isso sim, uma guerra ideológica. Temos de defender a nossa “ideologia” e destruir a do “adversário”. Tal como fizemos ao longo do século XX.
4 Comments:
Concordo em absoluto. Só não estou a ver como derrotar uma ideologia destas...
1) Concordo com esse conceito cosmopolita e com o chão republicano e laico comum que lhe serve de assento. E concordo com a crítica do multiculturalismo *nas leis*.
2) Não concordo que o alvo principal do bin-ladenismo esteja no ocidente. Acho que os objectivos estão mesmo nos países de população muçulmana. Eles querem derrubar os regimes do Médio Oriente. Só atacam na Europa e nos EUA porque concluíram que estes países apoiam esses regimes.
3) É evidente que não existem culturas estanques. E por isso não existe «choque de civilizações».
(Ah, e é Paul Berman.)
Tem toda a razão... em relação ao Berman.
Muito bem.
CAA
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