segunda-feira, agosto 29, 2005

LER DEPRESSA

Um projecto liberal precisa de sustentação. De se enraizar culturalmente na sociedade portuguesa. Que melhor veículo para essa expansão do que o Livro? Para tal são necessárias duas coisas: uma boa livraria, e gente com vontade de levar a tarefa para a frente.
Seria bom que Lisboa tivesse um - ou vários - espaço(s) de culto liberal, onde a literatura, nas suas diversas vertentes, fosse a alavanca para uma sociedade mais pluralista, liberal e culta.
Por isso apelamos aos senhores capitalistas deste país a atenção devida para este pequeno/grande projecto.
Portugal só tem a ganhar.

Bernardo Pires de Lima e Henrique Raposo, no Sinédrio

Eu proponho já o nome para esta livraria liberal: Ler Depressa.

[Paulo Pinto Mascarenhas]

sexta-feira, agosto 26, 2005

Leituras Liberais

Horrores

LUCIANO AMARAL

Como se sabe, passaram 60 anos sobre o lançamento das bombas de Hiroxima e Nagasaki. Ajudados pelo carácter único do evento (jamais o mesmo tipo de arma voltaria ser usado) e pela fotogenia do cogumelo atómico, sucederam-se por esse Ocidente fora (incluindo por cá) os exercícios mórbidos de condenação de mais um horror da autoria dos facinorosos “americanos”. Lá apareceu uma ou outra alma caridosa disposta a explicar aos moralistas de ocasião que, na II Guerra Mundial, as bombas atómicas não causaram mais vítimas do que bombardeamentos convencionais ou outras operações militares, e que, no ambiente moral daquela guerra, o género de destruição trazido pelas bombas desde cedo foi aceite e praticado pelos vários contendores. Para dar apenas um de entre muitos exemplos possíveis, só no desembarque americano em Okinawa terão morrido, para além de uma multidão de soldados, cerca de 140.000 civis, os mesmos de Hiroxima e Nagasaki. Eis um tipo de correctivo perfeitamente inútil. Porque, entendamo-nos, os que condenam a Bomba não estão efectivamente preocupados com horror nenhum, tendo apenas como objectivo acrescentar mais um elemento (em conjunto com o Patriot Act, os restaurantes McDonald’s, o massacre dos índios, o porte de armas ou o aquecimento global) ao processo de execração dos Estados Unidos da América.
A prova disso mesmo está no facto de ninguém se ter lembrado de falar em horror quando, alguns dias depois do aniversário das bombas, e a pretexto do aniversário da rendição japonesa, o Primeiro-Ministro Koizumi veio pedir desculpa pelas acções do seu país durante a guerra. Talvez valha a pena lembrar exactamente de que é que Koizumi estava a pedir desculpa. Koizumi estava a pedir desculpa pelas atrocidades cometidas no âmbito da então chamada “Esfera de Co-Prosperidade Asiática”, um eufemismo para o imperialismo japonês. Construída por um regime militarista e racista, a dita “Esfera” ia da China à Indonésia (Timor, por exemplo, conheceu directamente os seus efeitos), passando pela Coreia, a Birmânia, as Filipinas ou a Malásia, e nela os japoneses não se pouparam a brutalidades, seja por motivos de exploração económica, seja por razões gratuitas. O trabalho forçado de autóctones (a juntar ao dos prisioneiros de guerra aliados), por exemplo, foi usado de forma maciça, tendo ficado famosa a sua utilização na construção do caminho-de-ferro da Birmânia (retratada no livro e no filme A Ponte do Rio Kwai), onde se estima tenham morrido cerca de 100.000 pessoas. Contrariamente às convenções militares, inúmeros soldados aliados foram chacinados após as suas rendições. As experiências clínicas do exército japonês, em locais como a Unidade 731, terão utilizado de forma recorrente a dissecação de soldados aliados vivos, havendo mesmo suspeitas de práticas de canibalismo. Também se sucederam os massacres gratuitos (em particular de chineses) em toda a região, de que ficou mais conhecido o massacre de Nanquim (1937), onde se estima terem morrido cerca de 100.000 pessoas. Diz-se que durante a ocupação da China, o Japão usou armas biológicas, com as quais terá envenenado a população de aldeias inteiras do país. Não se sabe ao certo, mas aponta-se para um número de cerca de 400.000 mortos por mês a taxa a que civis das áreas ocupadas e soldados aliados estavam a morrer, ao longo do sudeste asiático, pouco antes do lançamento das bombas atómicas. Deste conjunto de actividades, estima-se que tenha resultado um número de mortos civis, de responsabilidade japonesa, algures entre os 10 milhões e os 30 milhões. Não admira que alguém já tenha chamado a isto “o outro holocausto”.
Relembrar estas coisas permite devolver à sua correcta proporção o horror efectivo das bombas atómicas, para além de ajudar a explicar porque foram utilizadas. Argumenta-se muitas vezes, em favor da futilidade da sua utilização, com o facto de o Japão pretender então a rendição. A verdade é que nada disso é certo. Na estrutura político-militar japonesa havia os que queriam render-se e os que não queriam, e os que queriam não estavam dispostos a aceitar uma rendição incondicional. Ora, sem rendição incondicional as belas práticas humanitárias da Esfera de Co-Prosperidade certamente prosseguiriam. Foi o poder militar sem paralelo das bombas que levou o Japão à rendição incondicional. E só esta rendição permitiu aos EUA imporem a revolução institucional que substituiu o militarismo expansionista do general Tojo pela próspera democracia japonesa que ainda hoje conhecemos. Sem bombas atómicas, Koizumi não andaria agora a pedir desculpa em nome do seu país.
Claro que de pouco serve recordar estas trágicas verdades históricas. As almas sensíveis aos horrores de Hiroxima querem lá saber dos outros (incomensuravelmente mais horrorosos) horrores a que a dita bomba pôs termo. Se se lhes desse importância, como seria então possível continuar a condenar a “barbárie americana” que por aí continua a vigorar no mundo? Claro que não seria. E isso é que interessa.

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Luciano Amaral é professor universitário, promotor das "Noites à Direita" e escreve todas as quintas-feiras no "Diário de Notícias" (este artigo foi publicado ontem no jornal mas não está acessível na edição electrónica)

terça-feira, agosto 23, 2005

EM SETEMBRO NO S. LUÍS

Churchill
NOITES À DIREITA*
*projecto liberal

1. Já chegou o tempo de começar a fazer alguma coisa de novo à Direita, para além dos partidos, mas nunca contra qualquer partido.

2. Já chegou o tempo de afirmar a existência de novas direitas, que só sabem viver em Democracia e que não a trocam por nada deste mundo.

3. Já chegou o tempo de uma Direita que não acredita em utopias, porque conhece a realidade e sabe que esta não se transforma só com boas intenções.

4. Já chegou o tempo de uma Direita que sabe ouvir e quer discutir com quem tem espírito independente, seja de Esquerda ou de Direita, para poder avançar com novas propostas. Uma Direita que sabe que há vários tipos de liberais e o que os une é a ideia de que as decisões fundamentais sobre o modo de vida de cada um devem ser assumidas pelos indivíduos, e não pelo poder político.

5. Já chegou o tempo de uma Direita que já não se revê em velhos costumes e bandeiras ultrapassadas, mas que também não se resigna à agenda política da Esquerda.

6. Já chegou o tempo de uma Direita que assuma uma atitude mais liberal. Mais liberal nos costumes, na economia, na política e na sociedade, nomeadamente no modo como olha e se relaciona com os media.

7. Já chegou o tempo de uma Direita que acredita na liberdade de cada pessoa e na responsabilidade individual como valores primeiros da Democracia.

8. Já chegou o tempo de uma Direita que defende o princípio de que a interferência do Estado na esfera privada do cidadão deve ficar circunscrita ao mínimo indispensável.

9. Já chegou o tempo de uma Direita que acredita no liberalismo económico como factor vital para o aumento de produtividade da economia portuguesa, essencial ao bem-estar dos cidadãos.

10. Já chegou o tempo de uma Direita que não acredita no fim das ideologias e defende que a Democracia precisa de Esquerda e de Direita porque vive da alternância e o centro não é alternativa.

NOITES À DIREITA NO S.LUÍS

António Mega Ferreira e Pedro Mexia são, como já é conhecido, os dois convidados iniciais da próxima sessão das "Noites à Direita.projecto liberal" a ter lugar no próximo dia 22 de Setembro, no Teatro S. Luís, em Lisboa (ali bem perto da Brasileira).

Mega Ferreira será aquilo a que chamamos o agente provocador de uma conversa sobre "A Direita e a Cultura", uma relação muitas vezes complicada e polémica. Pedro Mexia dirá depois de sua justiça, seguindo-se uma espécie de "ponto de ordem" dos promotores das "Noites", desta vez da inteira responsabilidade de Rui Ramos. O debate será alargado a toda a assistência e aos restantes promotores.

Contamos consigo. Não falte.

Os promotores das "Noites à Direita.projecto liberal"
António Pires de Lima, Filipa Correia Pinto, Leonardo Mathias, Luciano Amaral, Manuel Falcão, Paulo Pinto Mascarenhas, Pedro Lomba e Rui Ramos.

Leituras Liberais

A DIREITA QUASE INVISÍVEL

José Pedro Zúquete

Quando se fala do fim da ditadura em Portugal todos louvam o nascimento da “novo Portugal”, do início de uma época democrática, sem censura, sem índexes, e com liberdade de expressão para todos. Esta é uma narrativa que se pode fazer do fim de mais de quarenta anos de ditadura. Mas existe outra narrativa menos falada – é aquela que retrata o início de um período onde a esquerda cresceu e a direita encolheu. Se, por um lado, a esquerda portuguesa assumiu as novas liberdades de forma completa e, com o tempo hegemónica, a direita, aterrorizada com a associação ao salazarismo, ganhou complexos, perdeu confiança e nunca se entregou ao combate de ideias que um Portugal verdadeiramente democrático exigia. Alguns dirão que essa foi uma atitude compreensível, afinal de contas, a direita levava aos ombros a obra e a memória da ditadura e, por causa disso, tinha que passar pelo purgatório. Talvez. Mas, passados mais de trinta anos, ao observarmos de perto a realidade portuguesa, constatamos que os fantasmas da direita não foram exorcizados. Mudam-se os tempos mas não se mudam os complexos.

Uma pergunta inicial: quantos partidos posicionados ideologicamente à esquerda fazem referência à palavra “democracia”? Praticamente nenhum. E, se olharmos para a direita, quantos partidos o fazem? Praticamente todos. O último foi o partido de Manuel Monteiro, a Nova Democracia. Este “pormenor” é lapidar. É que em Portugal a direita tem sempre que apresentar as suas credenciais democráticas, como uma espécie de salvo-conduto para participar na vida política portuguesa. A esquerda não tem necessidade de o fazer porque, já se assume, à partida, que a esquerda é, naturalmente, democrática. A direita tem que o provar, à esquerda basta existir. Claro que à esquerda existem tantos ou mais partidos de raiz totalitária e tendências antidemocráticas como à direita, mas esta comparação é útil porque é o espelho de uma mentalidade que, ao fim de trinta anos, continua reinante em Portugal.

Poder-se-á dizer que, nas últimas décadas, a esquerda sofreu derrotas importantes, nomeadamente no campo simbólico, com o fim da referência soviética, e no campo económico com o avançar do neoliberalismo. Contudo, essas derrotas acabaram por ser compensadas por vitórias claras no terreno do combate de ideias, sobretudo porque conseguiu monopolizar o terreno onde esse combate deveria ser feito, nomeadamente na comunicação social e no ensino, dos liceus às universidades. Esta hegemonia cultural da esquerda não é, claro, uma especificidade portuguesa, ela está presente em toda a Europa e nos Estados Unidos, embora no contexto americano exista um verdadeiro movimento intelectual de combate a essa hegemonia. Ora, este monopólio cultural não é algo benigno, pois tem consequências. É que muitas vezes, em vários assuntos, em vez de se formar uma opinião pública, deforma-se a opinião pública. Nos Estados Unidos existem estudos que revelam que a maior parte dos jornalistas e docentes posicionam-se ideologicamente mais à esquerda. Seria importante em Portugal fazer um estudo desse tipo. Porque só quando se fizer o diagnóstico da situação é que um verdadeiro confronto de ideias se pode travar. Até lá, aquilo que muitas vezes não é mais do que uma opinião, em assuntos tão importantes como, por exemplo, o terrorismo ou o papel da União Europeia, passa para a opinião pública como verdade e das escolas aos cafés, passando pelas barbearias, todos regurgitam a mesma “verdade.”

O Bloco de Esquerda é de facto um partido radical, mas constitui em Portugal um bom exemplo da força cultural da esquerda nacional. É uma esquerda que lê, jovem, dinâmica e com ideais. É um dos exemplos mais conseguido da esquerda como movimento. Em Portugal não existe um “movimento” de direita, existem vozes, muitas vezes sem eco, desorganizadas e nalguns casos carrancudas. Ainda não nasceu verdadeiramente em Portugal uma direita que encarne a geração do pós-Vinte e Cinco de Abril, e de que o país tão necessita para os novos desafios culturais do tempo. Uma direita “naturalmente” democrática, moderna, com convicções e sem os complexos e “fantasmas” da velha direita. Uma das consequências nefastas do salazarismo foi a de usurpar os símbolos nacionais que, assim, no pós-Vinte e Cinco de Abril, passaram a ser associados à ditadura e, portanto, perigosos. Que se erga então esta nova geração que quando olha para a bandeira não vê Salazar, mas pura e simplesmente Portugal. Que se erga então esta nova geração que respeita o Vinte e Cinco de Abril, mas que não vive do Vinte e Cinco de Abril.

Costuma dizer-se que ser de esquerda é ser rebelde. Não há bom rebelde que se preze sem a sua t-shirt do Che Guevara. Ora, hoje, é fácil ser anticonformista à direita. Contra a ortodoxia dominante, contra o “politicamente correcto”, contra aquilo que o grande historiador Stanley Payne chamou de “ideologia pós-marxista, com os seus mitos, as suas liturgias e que insiste na exclusividade total, dominante nas elites e na intelligentsia.” Ter a capacidade de pensar num contexto adverso e sem medo do escárnio, do opróbrio e da “morte social” é aquilo que verdadeiramente define a rebeldia de espírito e mente. E essa está cada vez mais à direita. Mesmo para aqueles que não gostam de “rótulos”.

Revista "Atlântico"

segunda-feira, agosto 22, 2005

NOITES À DIREITA NO TEATRO S.LUÍS

António Mega Ferreira e Pedro Mexia são, como já é conhecido, os dois convidados iniciais da próxima sessão das "Noites à Direita.projecto liberal" a ter lugar no próximo dia 22 de Setembro, no Teatro S. Luís, em Lisboa (ali bem perto da Brasileira).

Mega Ferreira será aquilo a que chamamos o agente provocador de uma conversa sobre "A Direita e a Cultura", uma relação muitas vezes complicada e polémica. Pedro Mexia dirá depois de sua justiça, seguindo-se uma espécie de "ponto de ordem" dos promotores das "Noites", desta vez da inteira responsabilidade de Rui Ramos. O debate será alargado a toda a assistência e aos restantes promotores.

Contamos consigo. Não falte.

Promotores das "Noites à Direita.projecto liberal"

António Pires de Lima, Filipa Correia Pinto, Leonardo Mathias, Luciano Amaral, Manuel Falcão, Paulo Pinto Mascarenhas, Pedro Lomba e Rui Ramos.

quinta-feira, agosto 18, 2005

Leituras Liberais

O peso do Estado

LUCIANO AMARAL

Quando se trata de apresentar soluções para a nossa crise económica, no topo da lista vem sempre a redução do “peso do Estado”. A ideia não é exclusiva da “direita”. Do CDS ao PS, já quase toda a gente, com sinceridade variável, afirmou que o “peso do Estado” é “excessivo” e que é impreterível reduzi-“lo”. É fácil perceber porquê. O Estado representa, se a sua dimensão for medida através da proporção da despesa pública pelo PIB, 50% deste, ou seja, metade do nosso rendimento. De forma mais próxima da vida concreta das pessoas, isto significa o rendimento directo de um gigantesco (sem exagero) número de indivíduos e famílias.
Existem, a expensas directas do Estado, cerca de 4 milhões de pensionistas e subsidiados (desde os desempregados a outros avulsos), e cerca de 700.000 a 800.000 funcionários públicos, a que teríamos de juntar os que para ele trabalham em regime precário. Tudo junto, teremos portanto cerca de 5 milhões de indivíduos cujo rendimento está directamente dependente do Orçamento do Estado. Dito de outra forma, estamos perante aproximadamente metade da população portuguesa ou algo equivalente ao total da população activa. Mas o “peso do Estado” não acaba aqui, já que nele se inclui a prestação de serviços essenciais à nossa vida, desde o ensino dos nossos filhos (que é maioritariamente público) aos cuidados de saúde (idem).
É natural que, chegados a este ponto de dependência do Estado, as resistências à redução do seu “peso” sejam enormes. É natural que, quando ouve falar em “cortes”, uma grande parte da população não se fique. Quem gosta de ver o seu rendimento diminuído? É por isso que a chamada redução do “peso do Estado” não pode depender apenas dos cortes indiscriminados em que os últimos governos se têm especializado. Não se pode pedir às pessoas gratidão a troco da sua bolsa e da sua vida. É por isso que o bordão da redução do “peso do Estado” nunca se cumpre. De resto, por si só essa redução pouco representaria. A redução do “peso do Estado”, que é efectivamente uma parte essencial de qualquer programa de reforma económica e política para Portugal, tem de ser complementada com bastante mais.
Desde logo, complementada com um plano sistemático de substituição (pelo menos parcial) da prestação daqueles serviços por meios privados, das escolas aos serviços de saúde, passando pelas pensões. Os agentes privados, porém, não prestarão aqueles serviços de forma útil aos indivíduos e famílias se não forem enquadrados num ambiente legislativo e institucional que os ajude a prestá-los em boas condições. Nem sequer invoco aqui exemplos que logo alguém se lembraria de rotular de “neoliberais” ou “selvagens”. Basta lembrar o caso dos países escandinavos, onde uma parte significativa da segurança social depende de contas privadas, onde têm sido introduzidos os cheque-saúde e ensino, e onde os serviços de saúde têm sido privatizados. Não proponho aqui que se repitam os exemplos; sugiro apenas que talvez valesse a pena estudá-los.
Só que nem sequer isto basta. É preciso também que alguém se substitua ao Estado na criação de emprego (e, portanto, de riqueza). Não se pode esperar que a iniciativa privada floresça onde existe uma fiscalidade punitiva, onde a legislação laboral (consagrada constitucionalmente) é um obstáculo permanente à reestruturação das empresas, os mecanismos de licenciamento são tão lentos que a corrupção (o uso da famosa “luva”) não pode deixar de ser uma prática generalizada, ou a justiça é tão morosa que desincentiva a assunção de riscos empresariais. E para repensar estas condições é preciso perder a vergonha de afirmar que os empresários são essenciais para a criação de riqueza. Não estamos aqui a falar daquele tipo de empresário que abunda em Portugal, o qual gasta mais tempo na barganha com o governo central ou autárquico do que a investir, mas precisamente do empresário que não tenha de fazer isso. Também é preciso deixar de chamar “capitalista selvagem”, “insensível social” ou “fanático neoliberal” a quem defende ideias como estas.
O “peso do Estado” não é uma mera realidade contabilística que possa ser simplesmente aumentada ou diminuída ao sabor dos desejos governamentais. O “peso do Estado” corresponde à própria organização política da nossa comunidade. Para diminuir o “peso do Estado” é preciso encontrar uma solução política, cuja base terá de ser uma organização da sociedade diferente, embora da mesma família, da actual. Não basta trazer para o governo ministros das Finanças dispostos à dureza e depois esperar que tudo continue como dantes, quartel-general em Abrantes. É preciso trazer também ideias que enquadrem e sustentem a dureza, sobretudo para quando os tempos ficarem difíceis. Se não, é como se tem visto: à primeira contrariedade, uns fogem do pântano, outros para Bruxelas, outros constroem TGVs. Porque não duvidemos, o TGV é já fuga de Sócrates, a sua “Bruxelas”. E caso nada mude, novas “Bruxelas” ou TGVs virão.

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Luciano Amaral é professor universitário, promotor das "Noites à Direita" e assina esta coluna semanalmente à quinta-feira no "Diário de Notícias"

quarta-feira, agosto 17, 2005

Leituras liberais

A grande solução

RUI RAMOS

No curioso mundo do dr. Vitorino, o Estado é o sujeito de todas as acções: “incentivar”, “garantir”, “definir”, “ordenar”e “pagar”. Era de esperar. Ardem as árvores, e o país transborda logo com silvicultores de bancada. Num mês, ficámos a saber tudo sobre os matagais a que, com um patriotismo pomposo, chamamos “floresta”. Aprendemos a odiar a monotonia vulnerável dos pinheiros e eucaliptos. Já somos capazes de criticar, em coro afinado, o desleixo dos proprietários ou a desordem do casario.
Na televisão, o dr. António Vitorino destilou fluentemente a sabedoria nacional sobre o assunto. E deu logo a inevitável grande solução: o Estado. No curioso mundo do dr. Vitorino, o Estado é o sujeito de todas as acções: “incentivar”, “garantir”, “definir”, “ordenar”, e ... “pagar”. Os cidadãos existem passivamente, para serem “mobilizados” e “compensados”.
Tudo depende do Estado e da sua “política de ordenamento florestal”. Porquê? Porque, como seria de esperar, a causa do mal é o “lucro no mercado”, razão pela qual os “proprietários” teriam forrado as nossas encostas com “árvores de crescimento rápido”. Eis tudo explicado e tudo resolvido. Mas a história podia ser contada de outra maneira.
Em Portugal, o Estado foi demasiadas vezes um instrumento para aplicar o que alguns políticos iluminados imaginaram ser as receitas do progresso. A ocupação intensiva do território, através da cultura e da “florestação”, foi uma dessas receitas. Em nome do progresso, ignoraram-se condições naturais, atropelaram-se tradições históricas, e questionou-se o direito de propriedade.
O Estado apossou-se de terrenos comunitários para os cobrir de arvoredos instantâneos. A partir de 1919, obrigou os proprietários de incultos com mais de 100 ha a fazer o mesmo. E quando as populações, ingratamente atrasadas, ousaram resistir à grandiosa visão florestal, os iluminados recorreram à força armada para as fazer ver a luz. Aconteceu no Gerez e na Estrela em 1888-1889.

Aquilino Ribeiro tirou de incidentes semelhantes um romance: Quando os Lobos Uivam (1958). Esses pinhais-de-artifício pertencem menos ao cadastro do mercado, do que ao catálogo de desvarios da nossa política desenvolvimentista. Da Ota para trás, a lista é grande. Graças a um complicado sistema de protecção alfandegária, Portugal chegou a ser um dos mais esforçados produtores de trigo, quando era um dos países europeus com menos condições para essa cultura. Em resultado, Lisboa pagou, durante décadas, o pão mais caro da Europa, e os solos do Alentejo foram submetidos a uma erosão inútil. Mas os iluminados, que agora exigem aeroportos, queriam então um país autosuficiente em trigo e madeira, independentemente dos custos. E assim, com muita “mobilização” e muitas “compensações”, se fizeram pinhais e searas, proporcionando bons negócios a alguns.
O Estado dos iluminados foi sempre melhor a dar lucros do que a aplicar a lei. E foi também sempre mais eficaz a destruir do que a repor qualquer ordem. Demasiadas vezes, a passagem do tempo revelou apenas a imprevidência dos iluminados. A “floresta” é um exemplo. Quando as populações abandonaram os campos, o arvoredo do nosso Grande Salto em Frente ficou para trás, como pastagem para incêndios.Em dois séculos, esquecemos muita coisa e não aprendemos nada. Há um problema, e imaginamos logo a solução sob a forma de um decreto-lei que justifique o emprego de mais funcionários, ou sirva para regalar empresários amigos. Se é assim que queremos viver, ou se já não somos capazes de viver de outra maneira, então o melhor é habituarmo-nos aos incêndios, aos défices, e à desordem. Porque o que diz o dr. Vitorino não é solução. É apenas uma grande parte do problema.

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Rui Ramos é historiador, professor universitário, e assina esta coluna semanalmente à quarta-feira no "Diário Económico"