"
Noites à Direita -> A Direita Liberal e as Outras Direitas -> É Preciso um PartidoAconteceu hoje à noite no Café Nicola, em Lisboa, o primeiro encontro “Noites à Direita”, encontro este relacionado com o blog direitaliberal.blogspot.com. Trata-se de um projecto de direita liberal. Os seus mentores são de direita liberal e os blogs que de alguma forma estão relacionados com os encontros “Noites à Direita” são de direita liberal.
A primeira intervenção da noite foi feita por um homem de esquerda, Vicente Jorge Silva. A sua principal tese foi a de que a direita em Portugal não é liberal enquanto que, por outro lado, o liberalismo não é um exclusivo da direita. Para defender a primeira parte da tese, Vicente Jorge Silva evocou o Estado Novo, o Salazarismo, etc..
Concordei com praticamente tudo o que Vicente Jorge Silva disse na sua primeira intervenção. Mas achei também que o que ele disse não tem muito a ver ou não deveria ter nada a ver nem com os organizadores do encontro e nem com talvez a maior parte da assistência. É que o Estado Novo, o Salazarismo, o Colonialismo portugueses são de direita, é verdade, mas é uma direita que não tem nada a ver com a direita liberal. A direita liberal não tem absolutamente nada a ver com o Estado Novo. E é daqui que parte a minha tese.
O principal problema que a direita liberal tem a resolver não diz respeito à demarcação esquerda-direita. Que a direita liberal não é de esquerda já se sabe (e isto não nega a possibilidade de um liberalismo de esquerda). O principal problema da direita liberal é sim autonomizar-se das outras direitas, sobretudo da direita que foi responsável por e da direita que ainda é saudosista do Estado Novo.
A confusão entre o conservadorismo não democrático do Estado Novo e a direita liberal não é legítima, é desonesta e prejudica injustamente o prestígio que o ideário da direita liberal merece. E a principal consequência desse prejuízo é a dificuldade extrema de a direita liberal surgir como ideologia legítima, aceitável e desejável enquanto participante na democracia política portuguesa.
Mas é necessário ir além desta separação. É necessário que a direita liberal se autonomize da direita conservadora democrática e da direita democrata-cristã. É que os liberais de direita não são conservadores e não são democratas-cristãos. Não são nem podem ser e nem podem querer ser.
Suponho que alguém de direita liberal se incline a votar, provavelmente por exclusão de partes, no CDS-PP ou no PSD. Afinal, o CDS-PP pelo menos não é de esquerda e o PSD pelo menos não é muito à esquerda. No entanto, a direita liberal não tem nada a ver nem pode ter nada a ver com o CDS-PP nem com o PSD.
O CDS-PP é conservador. Como é possível a um dir-liberal sentir devoção pela autoridade do Estado? A autoridade começa por estar no indivíduo. Ao Estado cabe uma autoridade mínima, que deve ser medida pelo estritamente imprescindível. Logo, um dir-liberal não pode ser conservador.
O CDS-PP é democrata-cristão. Como é possível a um dir-liberal ser contra o casamento de homossexuais? O casamento de homossexuais é um acto livre entre adultos e que só tem consequências para esses adultos e é também uma escolha íntima e de natureza familiar. Logo, por uma série de razões óbvias para um dir-liberal, o Estado não pode interferir nem proibir o casamento de homossexuais. Logo, um dir-liberal não pode ser democrata-cristão.
O PSD concorda com a esquerda democrática no ról de funções que cabem ao Estado. O resultado é a aceitação por parte do PSD de um Estado monstruoso. A crítica ao Estado-monstro por parte do PSD só surge por razões de mera impossibilidade prática e não por um motivo de indesejabilidade ética. E quanto maiores são as responsabilidades do monstro, menor é a responsabilização e a liberdade dos indivíduos. Por outro lado, a “liberalização” económica do PSD limita-se às privatizações, que de um modo geral são boas, esquecendo o que é também crucial: a liberalização da entrada nos mercados (de bens e de profissões). Logo, um dir-liberal não pode ser do PSD.
A direita liberal também não pode ter absolutamente nada a ver com a Nova Democracia. Aliás, este partido está nos antípodas do liberalismo de direita: um partido que tem como principal discurso sugestões para o funcionamento da família, não pode ser liberal. Para a direita liberal, tal como as decisões do indivíduo, as decisões familiares não podem caber ao Estado. Nem sequer meras sugestões são bem-vindas! Ao Estado cabe apenas reduzir-se a si mesmo de modo a não ter de sobrecarregar as famílias com impostos. Com menos impostos, há mais dinheiro e “logo” a família tem maior liberdade de escolha (não é bem “logo”, são necessárias outras liberalizações...).
A grande “batalha” da direita liberal não é portanto demarcar-se da esquerda. Isso é óbvio. A grande “batalha” é sim demarcar-se das outras direitas.
Lamento por isso as palavras finais de Pires de Lima de que não pretende ou não acredita no surgimento de um partido liberal de direita.
Se a estratégia dos dir-liberais portugueses não for a da criação de um partido político autónomo mas sim a da alteração por dentro dos partidos de direita já existentes, o liberalismo nunca terá qualquer importância política em Portugal pois esta estratégia em Portugal não pode ter outro resultado que não o fracasso.
A primeira razão é ideológica. O liberalismo de direita não é compatível nem com a democracia-cristã nem com o conservadorismo (ler acima). Para quê então forçar um partido democrata-cristão e conservador a tornar-se liberal? E já agora, para quê tentar que o partido não-liberal PSD passe a ser liberal? O PSD está mais próximo de ser de esquerda do que de ser de direita-liberal. E pelo discurso, pelas pessoas e pela prática política continuada, o PSD pode ser muita coisa mas não é liberal.
A segunda razão é ética e de justiça. Não é justo que os dir-liberais continuem a ser atacados por serem fascistas e reaccionários e salazaristas. Esse ataque é ignorante e estúpido. Porém, se os dir-liberais se associarem ao partido que sistematicamente tem tiques de saudosismo salazarista, os dir-liberais acabarão por merecer esses ataques.
A terceira razão é programática. O liberalismo de direita é uma ideologia extremamente rica. É possível construir um programa político da direita liberal completo e totalmente autónomo das outras doutrinas. O liberalismo de direita tem pois dignidade política, grandeza intelectual e inspiração prática mais que suficientes para justificar a existência de um partido próprio e autónomo.
A última razão é estratégica. Mesmo que um partido mude por dentro, uma grande parte do eleitorado, senão a maioria dele, continuará a associá-lo às ideologias anteriores. É verdade que a maioria dos portugueses pura e simplesmente não gosta do CDS-PP. Se é uma atitude emocional ou racional, esclarecida ou ignorante, justa ou injusta nada disso interessa muito: o que interessa é que é uma atitude legítima e com grande expressão em termos eleitorais. Para quê então o liberalismo de direita associar-se a um partido que não tem nada a ver consigo e que não colhe grande simpatia junto dos eleitores?
Desagradou-me um pouco ver tanta gente do CDS-PP no primeiro encontro “Noites à Direita”. Acredito que a grande esperança do liberalismo de direita em Portugal está naqueles que não se revêem nem no conservadorismo nem na democracia-cristã e que têm a convicção forte de que o liberalismo de direita é suficientemente livre das outras doutrinas, suficientemente responsabilizável perante os portugueses (num futuro... próximo?) e suficientemente necessário em Portugal para justificar a criação do Partido de Direita Liberal Português.
Existem as ideias, as pessoas e a vontade. Falta agora um partido.
Ricardo
soultosqueeze@aeiou.pt
diasquevoam.blogspot.com
Nota: Por este post responde apenas o seu autor. Este post não é representativo do blog
diasquevoam.blogspot.com, muito antes pelo contrário."
NR: Não concordamos com a necessidade de criar novos partidos. Podemos influenciar os que existem. Mas agradecemos a sua longa carta. [
Paulo Pinto Mascarenhas]